quinta-feira, 17 de março de 2011

UM DIA BEM PASSADO

20110315
Já ando a tropeçar.
Não queria falhar, mas, infelizmente, não tenho o método e a disciplina que o José Rodrigues dos Santos, reconhecidamente, um homem que sabe aproveitar o tempo, ainda há dias, me recomendou. Ele, que tal como eu já fiz, apresenta o Telejornal quase todas as noites na RTP, ainda encontrou tempo para assinar, nestes últimos 3 anos, 3 best Selleres, com mais de 4oo páginas cada. Belo exemplo. Como eu admiro este rapaz.
Hoje, foi um dia muito reconfortante para mim. Ando sempre angustiado porque tenho que falar com alguém, escrever qualquer coisa, reunir com, ou simplesmente fazer umas locuções em Lisboa e lamentar – me por isto ou aquilo, mas hoje, valeu a pena.
Hoje adormeci como há muito tempo não fazia; cansado, tranquilo, com uma sensação de dever cumprido, coisa que nunca acontece.
Tinha combinado com o sr Paulo uns trabalhos cá em casa. Reparar umas vedações, cavadelas na horta e no jardim, deitar uns pinheiros a baixo etc.
Eram 7 e 45 e já lhe estava a abrir os portões, ao Paulo e à sua equipa. Cheios de frio e com a vontade de trabalhar que empurra os mais pobres.
Decidido a trabalhar com eles, vesti um fato de macaco, enfiei uma botas, uma camisola quente e a ultima moda de luvas para jardim.
Dei as minhas indicações e fui tomar um sumo de tomate e um café quente, com uma torrada. Enquanto os cães ladravam e os homens trabalhavam. Por entre os vidros, olhava este Paulo que me impressiona até quase às lágrimas.
Paulo tem 33 anos, dois filhos pequenos ( um casal) e uma mulher que adora.
O Zé, é testemunha; há 5 anos quando estava sobre um pinheiro, com uma moto serra nas mãos, soltou um grito. Parou, desceu. Uma dor enorme nos dedos fê – lo parar. Foi ao médico. Logo ali, para começar “esclerose múltipla”.
Mas o homem não desiste. Tem que sustentar a família. Continua a fazer o que pode.
Juntam – se a ele uns quantos outros trabalhadores que orienta e a quem vai arranjando trabalho.
As coisas complicam – se. As mãos e os pés começam a deformar – se dia a dia. Emagrece com os tratamentos, faz fisioterapia e há 3 anos o doutor dá- lhe um ano de vida.
Mas o Paulo, não pode parar. Diz – me que é para esquecer as dores e porque tem os miúdos para criar. A mulher voltou, a trabalhar, agora que o mais velho pode ir para a escola e a pequenina para o infantário.
Com as mãos encarquilhadas, com uma ferida que não fecha no calcanhar e encolhido, Paulo guia um chaço que já nem tem embraiagem, para leva os homens; um cabo – verdeano, muçulmano, um vizínho, um romeno, a mulher e os meninos, à escola.
Aos homens, grita as ordens. Exige que não parem. Só ele às vezes se senta, ou encosta a uma arvore.
Vou até lá timidamente. Começo a aquecer; acarto um carro de mão, com terra, pedras, ajudo a esticar a rede, firo – me no arame farpado, penduro – me num cabo para puxar um pinheiro que tem que cair e qundo cai fico no ar, como o super homem. Vou buscar um copo de água porque o sr Paulo tem que tomar um comprimido para as dores.
Chega a hora do almoço. Querem almoçar ali mesmo e à sua maneira; umas febras, umas costeletas, vinho, sumo, água e pão. Não querem mais nada. Precisam de força. O vinho é para o Zé, para o outro e para mim, o Sumo para o muçulmano que não se converte e a água para o capataz que está proibido de outras bebidas.
O Paulo é quem faz o barbecue porque, diz ele, precisa de aquecer. Mal pega na tenaz para virar as febras, entra no fogo e o nariz pinga – lhe quem nem o fontanário da aldeia, ou as carnes a verterem gordura.
Não querem, nem pratos, nem talheres. Mesmo o pão é à mão e guardanapo foi a custo que impus. Alinho. Nunca me vi assim.
Mas aquilo sabe – me bem. Até a “surrapa” do vinho a um euro e meio a garrafa me entra que nem um Esporão de reserva.
Sei como são os pobres. Sugeri fruta, nada. Um wiski Não. Já estava a perder, quando o Zé cedeu a uma aguardente Mirota com 40 anos, especialidade da casa. Brindamos à saúde do Paulo sem ele ver.
Diz – me o Zé que os amigos estão sempre dispostos a ajuda – lo, porque ele, também os ajudam. Vai 3 vezes por semana à noite ao hospital para fazer hemodiálise. Os rins já não funcionam. Quando podem os amigos vão com ele e fazem – lhe companhia com conversa. Ele prefere à noite porque tem de trabalhar e porque quando chega a casa depois do tratamento, adormece logo.
E quando não há trabalho, vão à pesca. Levam – no às costas, por cima das rochas, no Guincho. Ele adora pescar, como antigamente. E as histórias continuavam se não fora o Paulo mandar – nos trabalhar.
Lá fui. Desta vez, acartei escadote daqui para ali, madeiras, cactos, e subi ao telhado da garagem, fiz buracos com o berbequim, fui comprar pregos e uma rede que o Paulo tinha encomendado. Fui à estância ao lado da Galp à entrada da auto estrada. A senhora que me atendeu, quando falou dele, abriu os olhos e agarrada à rede disse – me. “Ah aquele homem…Às vezes quando tenho um problemazinho, lembro – me dele e passa tudo Aquilo é que é sofrer. E não pára”. Nem respondi. Agarrei num rolo de 25 metros por 2 de altura, serrei os dentes. Atirei – o para as costas e levei - o para o chaço, como se tivesse menos 40 anos.
Terminamos o trabalho já era quase noite. Ficamos satisfeitos. Espalharam –se cactos e pedras de ambos os lados da vedação, a enquadrar duas palmeiras ainda pequenas. O portão rústico ficou reforçado, os postes ficaram bem agarrados ao chão. O Paulo estava feliz. Só faltou acabar de cavar a horta para as próximas plantações, mas a vida não acaba aqui e ainda vai chover muito.
Fomos ao multi - banco para pagar lhe pagar. A vida está difícil. Agora o Sócrates encurtou o subsídio dos miúdos e a de invalidez que é de 250 Euros desceu trinta. Já pediu ao senhorio para lhe baixar a renda de 400 Euros mas ele diz que a crise é para todos. É, é para todos…
Mas. vai trocar o chaço. Vai, ter uma camioneta velha, que lhe vão dar; um construtor lá da terra, que agora, não tem trabalho e ficou com 4 camionetas paradas e não quer pagar seguro e impostos, dá – lha. Vai ser um fartote. Com ela, já arranjou o frete de todos os dias acartar uma carrada de lenha para 3 padarias. Vai ser bom, diz o farrapo a tentar esfregar os dedos torcidos que nem grampos, com que se agarra à vida.

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