sábado, 16 de janeiro de 2016

CONVERSAS COM O MEU UMBIGO nº2




Parabéns, fizemos anos e não disseste nada.

É verdade. Sabes quanto mais festejamos mais perdemos futuro. Faço e pronto, está feito.
Eu também sou assim, mas tu é que mandas.
Bem, repara, nós somos íntimos. -Disse isto passando com a mão suavemente como numa festa a um velho amigo.
Íntimos. Acho que ultimamente até de mais.
Talvez
Antigamente, banhinho de imersão, ultimamente duche uma chapada de champô e depois a toalha a secar.
Mas agora começamos a conversar mais. E sabes porquê’?
Porque me chateia conversar com gente que não me entende nem sabe ou quer entender.
Ou tu é que não és fácil de entender.
É a dificuldade que nos separa e sem obstáculos não vamos a lado nenhum.
Onde é queres ir afinal?
Ir até encontrar respostas a dúvidas existenciais e fundamentais.
Quais?
Porque estamos aqui?. Porque não somos todos felizes, apesar de tantas doutrinas, religiões e democracias.? Porque, dizem, sendo o homem um animal inteligente, o mundo está a criar a todo o momento razões para ardermos numa grande e inextinguível fogueira ?
 Olha eu sou só o teu umbigo. Um amigo que apesar de ser o centro de ti não passa disto, repara engordo a olhos vistos.
Olhei até com alguma dificuldade  e atalhei para terminar – Olha ... faz flexões.
Ai sim? Diz ele zangado - e tu ... continua com as tuas ... reflexões.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

CONVERSA COM O MEU UMBIGO nº1







Perguntei ao meu umbigo – Como estás pá? – Eu falo assim com ele -
-      Estou bem, cá vou, um pouco em baixo mas vou indo. Não notas?-
-       Há que tempo que não te via.-
Eu noto mas finjo que não o vejo. Não lhe ligo. Ainda não é obstáculo à paisagem nem às relações sociais. E ele continuou – E o que me dizes do 2015 que se foi?
-      Para mim tudo bem. As coisas parece estarem a mudar. Agora são mais a discutir e já se sabe; da discussão nasce a luz.
-      A luz ? A luz para quem vê, agora eu que tenho uma venda quase o tempo todo...
-      Engoli em seco, ele tinha razão mas continuei a falar – lhe com o queixo encostado ao peito ao mesmo tempo que suspirei. Ele deu logo conta disso encolhendo – se não sei se de vergonha se de arrepio. – Mas não somos só nós - adiantei consciente que não tinha dito nada. É sempre assim. Até agora nunca fomos a lado nenhum.  Ia a virar – lhe as costa e atirei - lhe.
   - Já reparaste que os ricos estão cada vez mais ricos e cada vez há mais pobres?
       - Sim e sabes porquê? Porquê?
Não lhe dei resposta. Apertei o cinto até o sentir incomodado e desliguei a luz.

domingo, 13 de dezembro de 2015

BUFAR...EU?


 

Ufa que dia!.

Fora de Lisboa, aqui em Olhão, peguei no carro bem cedo para ir a Espanha comprar um apetrecho náutico que muita falta me faz se o vento soprar como o Wind Guru anuncia. Comecei por parar antes de sair da cidade da Restauração, para tomar um rápido pequeno almoço. Encostei o carro a um passeio, meti umas moedas e fui – me ao cafezinho. Depois, arranquei para Ayamonte, uns quarenta e tal quilómetros pela Via do Infante,  com o sistema electrónico como um mealheiro ao contrário, a avisar sobre as frequentes portagens.
O GPS levou – me ao local onde estacionei, meti moedas e lá fui ao Alemão que afinal é Holandês e que é aqui mais conhecido dos mareantes que Júlio Iglésias nos Países Baixos. Voltei a colocar moedas e lá fui ao aviamento.
O ambiente natalício estava em todo o lado. Nota dominante; o numero de idosos lusitanos que em grupos passeia pelas ruas numa euforia juvenil. Exatamente como os espanhóis fizeram por todos os cantos de Cascais nos dias de feriado e ponte de Nossa Senhora da Conceição. Estes não gastam, mas fazem barulho.
Porque os menus aqui não me são fáceis de entender, confesso que se esvaiu o apetite. Motorizei – me e dirigi – me para ocidente. Procurei o inesperado; Castro Marim, um restaurante pequeno com dois casais estrangeiros de roulottes e uma mãe e uma filha portuguesas a mastigarem silenciosas. Atrevi – me a sentar e atirei – me a um péssimo bife que me ia traumatizando com gravidade porque esta tentação da carne é pior que a outra. Saí sem olhar para trás como o único culpado de um dos pecados mortais.
Antevi de novo o plim plim constante das portagens a massacrar - me o cérebro e num ato de pura revolta, resolvi abandonar a Via do Infante e avançar pela mortífera 125.  Iria enfrentar a morte e a loucura do transito local algarvio. Como a despedir – me orgulhoso da minha coragem, achei – me no direito de um belo café com uma aguardente de medronho e um minúsculo bolo almendrado.
Depois de algumas viras e voltas eis – me a entrar pelas geométricas ruas de Vila Real de Santo António, localidade pacata esquartejada com precisão e harmonia pombalinas.
Procurei estacionar próximo de uma esplanada que já conhecia. Havia lugares vagos e placas de pagamento obrigatório.  Porque já ando habituado, lá procurei automaticamente a maquina do dito pagamento. Procurei até que uma senhora idosa, à porta de casa, de vassoura na mão que procurava fazer o seu pequeno rafeiro  entrar em casa, se alheou do fugitivo para me perguntar – O que é que o senhor quer? – A malvada devia já saber, mas queria era conversa para não conversar, mas sim intrigar como qualquer vizinha que se presa faz.  Quero pagar. – Respondi – lhe como cidadão cumpridor das suas obrigações. – Há não paga nada. Pode ir à vontade, esteja descansado vá à sua vida.  Anda cá canito, filho de uma cadela...-
Nem ela é o padre Francisco nem eu sou um marginal portanto vou falar com aqueles dois senhores que ali veem com ar de locais. Falei.
Vim a saber que sim senhor a Câmara tentou colocar ali estacionamentos obrigatórios, mas  - A população não deixou?
Não deixou? Falei eu baixinho- Não senhora. – Passaram a confidenciar os dois peões - Partiram as caixas para as moedas, arrancaram os placares. Eles insistiram e colocaram polícias, mas à noite, sem eles verem as coisas desapareciam. Eles voltavam e nós não deixávamos. Tanto que até agora desistiram....
- E ninguém falou? Lá em cima ninguém falou nisso - Aqui a rádio e o Jornal começaram a falar, depois calaram – se mas – olharam – se um ao outro com um sorriso malandro – mas como vê...vá à sua vontade.
Já a andar ainda respondi. – Vou, vou, e não digo nada. - E lá fui sentar – me na esplanada a “medronhar” e a pensar no povo e na sua liberdade.
Já ao fim da tarde, dei por mim a filosofar pela 125 e ao mesmo tempo a pedir aos céus que não me obrigassem a parar e a bufar, ou seja, soprar para o balão.



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O REALITY SHOW



Seria uma boa experiência para ambos; avô e neta. No dia a seguir seria feriado e os pais fizeram uma ponte. Durante a tarde fora buscar a menina ao infantário. Levou – a a passear, aos baloiços, ao cinema e depois em casa fizeram desenhos e muitas brincadeiras. A sua contribuição seria uma tarde e uma noite com aquela criatura que adorava mas não parava. Tinha sido um dia arrasador e chegada a noite a menina parecia estar com o sono merecido para ambos. O avô preparava – se para ver o telejornal e depois de telecomando na mão partir à descoberta quando o mundo não parava de surpreender em todas as latitudes. Mas eis que a menina avisa solenemente – Só vou para a cama quando o “vovo” for dormir. – E agarrada ao seu peluche saltou para o sofá recostando – se no colo do telespectador, encostando a cabecinha ao peito e agarrando a mão dele parecendo todavia disposta a passar – se rapidamente para o outro lado. Era pelo menos a esperança do avô a merecer o seu tempo de evasão. Com uma mão na dela e outra no comando preparou – se para o “zappping” merecido. 1 RTP- passava uma entrevista, a menina limitou – se a levantar a cabeça e a olhar, ele passou para a 2 – uma comédia que também foi por ela automaticamente vetada, 3 – uma mesa redonda e ela a abanar a cabeça, 4 – era a Quinta, um “reality show”. Ficou ali instantes e foi o avô a avançar para longe mas a catraia reagiu, erguendo a cabeça e mostrando desagrado. O telecomando obediente voltou à 4 enquanto o comandante desanimado esperou que fosse por instantes. Ela recostou – se melhor no colo, mas o tempo passava e não dormia nem queria sair dali. Foi então que o dono do telecomando, defensor da moral e dos bons costumes, partiu ao ataque com voz doce - Não me digas que gostas de ver aquelas raparigas esquisitas a gritar, ridículas, tatuadas, de “collans”, a darem ao rabo, de saltos altos e a mudarem de vestido por tudo e por nada. A miúda continuava de olhos na pantalha alheia às provocações.- E gostas de ver aqueles rapazes em casa de boné, até na cama, de calças rotas, todos tatuados a quererem parecer gorilas de cabelos levantados como os palhaços? A pequena mexeu – se ligeiramente e suspirou fundo. Está acordada ainda,- pensou ele - e eu aqui a falar para um ser humano com 3 anos a uma hora destas. Exasperado – Olha lá meu amor. Tu gostas disto? Eles não são homens nem nada. Andam ali a dizerem mal uns dos outros, a julgarem –se bonitos e bons, mas de nada valem... Não têm nada dentro. Um homem deve aproveitar o tempo com coisas e ideias úteis, ser simples e discreto, educado, digno, honesto, verdadeiro e deve é ajudar os outros. Calou – se. Sentiu – se ridículo a falar assim . A menina largou a mão do avô, fixou os pés descalços no sofá, colocou o peluche de lado, levantou a cabeça, voltou – se para ele, tirou a chucha e com expressão inquiridora mas definitiva – Deve ser como tu não é avô? Como tu. O avô sentiu o mundo a interroga – lo. Milhões ao mesmo tempo e não podia fugir. Estava a ser julgado. Dizer que sim era mentira e que não também era. Pegou na menina e encostou - a ao peito enquanto lhe depositava um beijo na cabecita loira e uma inesperada lágrima lhe corria pela face gasta pelo tempo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

"AS GAJAS NUAS"



Era miúdo e a Playboy americana já era adolescente. Descobria-a no grupo secreto do liceu onde a devorávamos como romã vermelha e sumarenta, a passar de mão em mão. Éramos diletantes com a paixão da descoberta, curiosos por tudo, dispostos à experiência.
Num dia de contrição confessei ao padre a obscenidade. Por trás do confessionário deve ter ficado a pestanejar até me receitar os “pais – nossos” que duraram até  quando voltei a revelar o assassínio que se tornou mensal.
Pouco depois vinha a Lui, revista francesa  também com “gajas” nuas, mas em francês e, segundo eu, com artigos mais interessantes que  dominava mais facilmente. Era o pecado a acomodar – se nas redes neuronais em forma de dependência a carecer da cura psicanalítica freudiana tradicional.
Para não perder os dotes linguísticos escondia – as como se fossem cadernos e apontamentos, por entre livros de matemática, história ou português e seguiam – me lubricas como sonhos e fantasias inconfessáveis.   Quando eram substituídas jaziam sob o colchão ou junto aos apetrechos desportivos escondidas como os pontos negativos ou as mais atrevidas tentativas literárias, agora ingénuas e inocentes.
Comecei a fazer coleção que sem eu dar por isso  foi substituída pela vida real.  
Conheci nelas centenas ou até milhares de miúdas de que ingratamente perdi o rasto. Hoje, nem elas se lembram de mim nem eu delas. Enfim...
Mas meio século volvido, corajosamente, num gesto cultural, , como num retrato de época, de hábitos, de estilos e de liberdades,  cheguei a mostra - la aos filhos, a quem de imediato,  lubriquei conspícuos olhares de censura.
Hoje as Playboy e as Lui jazem em caixas de plástico devidamente rotuladas, à espera não sei de quê.
Mas curiosamente sorriram – me, apesar deste abandono ingrato.
Até que, até que hoje, Hugh Hefner, que como um profeta, foi o criador da provocadora Playboy ele que deu a  volta aos miolos de centenas de milhões de jovens pelo mundo inteiro, anunciou que a partir de agora passará a vestir as suas coelhinhas. É uma blasfémia, um paradoxo, uma incongruência.
Pelos 5 continentes, os mais velhos entreolham – se. As mulheres, essas, sorriem com ar de vingança. Eu, apenas acho que os homens só colhem o que está à mão e agora, numa época nova e redentora em que o “takeaway”  e as “energias renováveis” estão na moda, nada há a temer porque o futuro está garantido.



quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O AMOR É ISTO





O amor é isto
Se há altura em que mais se pensa no amor, é na última fase da vida. Até aí, é a corrida, muitas vezes atabalhoada à procura dele e a ilusão de o ter aprisionado. Esta fase, dura um tempo indeterminado,  dependendo das características psico – somáticas do enamorado.  Depois, vem a realidade; o amor é isto, e pronto, “estou feliz!!!!”, ou a frustração, com, ou sem, o  recomeço da procura.

Essa procura pode chegar até ao último dia. E se ele tarda a chegar, começa a nascer a vontade de que ele chegue mais cedo do que se esperava, porque o amor é mais que tudo, mais que o dinheiro, a notoriedade, o ar que se respira. É o pequeno  e imortal gesto de ternura que nos passou ao lado.