quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O REALITY SHOW



Seria uma boa experiência para ambos; avô e neta. No dia a seguir seria feriado e os pais fizeram uma ponte. Durante a tarde fora buscar a menina ao infantário. Levou – a a passear, aos baloiços, ao cinema e depois em casa fizeram desenhos e muitas brincadeiras. A sua contribuição seria uma tarde e uma noite com aquela criatura que adorava mas não parava. Tinha sido um dia arrasador e chegada a noite a menina parecia estar com o sono merecido para ambos. O avô preparava – se para ver o telejornal e depois de telecomando na mão partir à descoberta quando o mundo não parava de surpreender em todas as latitudes. Mas eis que a menina avisa solenemente – Só vou para a cama quando o “vovo” for dormir. – E agarrada ao seu peluche saltou para o sofá recostando – se no colo do telespectador, encostando a cabecinha ao peito e agarrando a mão dele parecendo todavia disposta a passar – se rapidamente para o outro lado. Era pelo menos a esperança do avô a merecer o seu tempo de evasão. Com uma mão na dela e outra no comando preparou – se para o “zappping” merecido. 1 RTP- passava uma entrevista, a menina limitou – se a levantar a cabeça e a olhar, ele passou para a 2 – uma comédia que também foi por ela automaticamente vetada, 3 – uma mesa redonda e ela a abanar a cabeça, 4 – era a Quinta, um “reality show”. Ficou ali instantes e foi o avô a avançar para longe mas a catraia reagiu, erguendo a cabeça e mostrando desagrado. O telecomando obediente voltou à 4 enquanto o comandante desanimado esperou que fosse por instantes. Ela recostou – se melhor no colo, mas o tempo passava e não dormia nem queria sair dali. Foi então que o dono do telecomando, defensor da moral e dos bons costumes, partiu ao ataque com voz doce - Não me digas que gostas de ver aquelas raparigas esquisitas a gritar, ridículas, tatuadas, de “collans”, a darem ao rabo, de saltos altos e a mudarem de vestido por tudo e por nada. A miúda continuava de olhos na pantalha alheia às provocações.- E gostas de ver aqueles rapazes em casa de boné, até na cama, de calças rotas, todos tatuados a quererem parecer gorilas de cabelos levantados como os palhaços? A pequena mexeu – se ligeiramente e suspirou fundo. Está acordada ainda,- pensou ele - e eu aqui a falar para um ser humano com 3 anos a uma hora destas. Exasperado – Olha lá meu amor. Tu gostas disto? Eles não são homens nem nada. Andam ali a dizerem mal uns dos outros, a julgarem –se bonitos e bons, mas de nada valem... Não têm nada dentro. Um homem deve aproveitar o tempo com coisas e ideias úteis, ser simples e discreto, educado, digno, honesto, verdadeiro e deve é ajudar os outros. Calou – se. Sentiu – se ridículo a falar assim . A menina largou a mão do avô, fixou os pés descalços no sofá, colocou o peluche de lado, levantou a cabeça, voltou – se para ele, tirou a chucha e com expressão inquiridora mas definitiva – Deve ser como tu não é avô? Como tu. O avô sentiu o mundo a interroga – lo. Milhões ao mesmo tempo e não podia fugir. Estava a ser julgado. Dizer que sim era mentira e que não também era. Pegou na menina e encostou - a ao peito enquanto lhe depositava um beijo na cabecita loira e uma inesperada lágrima lhe corria pela face gasta pelo tempo.

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