sexta-feira, 8 de março de 2019

A VETUSTA IDADE

+VERMELHA 20190303




Não sei como interpretar isto, mas não resisto mesmo que me chamem, e vão chamar “machista”. Acabei de receber de um amigo uma sucessão de fotos de automóveis antigos, daqueles que hoje raramente se vêm e quando se descobrem derretemos – nos em recordações. Ele eram o Renault “Joaninha”,  os Citroen 2 CVs, e a linda Arrastadeira, o Diane, os Fiat 500 e o 600 Topolinos, o Renault Gordini e o Volvo Marreco, e o DS 21 todo dinâmico  e o NSU TT e, isto para já não falar no Isetta, esse que abria a porta pela frente. Lembram – se?  Tão engraçadinhos...
Enfim, automóveis que, desde miúdo, me habituei a ver com a curiosidade surpreendente da descoberta de uma linha, um estilo, um andamento, uma cor, um ruído, uma obra digna, original e merecedora de carinho, de um sorriso e hoje de alguma saudade porque estou indeciso entre um elétrico ou uma trottinette.
Pois é, não resisto até, de comparar esse encantamento à sucessão de, por exemplo, de miúdas, como, qualquer homem do meu século poderá faze – lo.  Relembrar-nos com quem demos uma voltinha e guardamos depois, num cantinho discreto da memória.
E agora pergunto: e elas não terão também saudades destes carros e de outros, até de motas lindas?
Só que, curiosamente, com todo o respeito; a única diferença que me parece entre elas e eles é que eles, os carros antigos que me viram nascer, também têm saudades minhas

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A SORTE E A TRADIÇÃO



Desde que me lembro a entrada no novo ano era o momento mais empolgante para a minha família; eu nascia no dia 1 de Janeiro, uma irmã gémea, claro, e o meu filho mais velho. Era o momento de maior tradição e religiosidade. Havíamos que entrar no ano com o pé-direito no chão e o esquerdo no ar, (nada a ver com a política) e ingerir as 12 passas conforme as badaladas e a taça na mão, para brindar.
Sempre, sempre assim foi, mesmo a trabalhar em espectáculos, programas de TV, no mar ou em terra, rodeado de familiares e amigos.
Mas este ano pela primeira vez, cansado de barulhos, senhor de mim próprio, não saí de casa. Seria um Réveillon intimo, reflexivo e retemperador de uma vida agitada. O IPhone ficara no carro. 
Ainda faltava muito. Liguei a TV. E sem dar por isso, adormeci como uma criança sem fraldas nem compromissos, no meio do nada, nem do ninguém. Já voava no espaço quando fui abruptamente acordado pelos estrondos de foguetes sobre os pinheiros que os novos vizinhos chineses, americanos, brasileiros e alguns portugueses, porque ainda os há, a estoiravam nas copas. A Tv gritava -numa euforia, em off, viva o Ano Novo viva. Senti - me vazio e só. 
Mas, impulsionado pela tradição, corri à cozinha, tirei o espumante do congelador, que abri agitado, já gritavam 12, 11, agarrei numa mão cheia de passas e saquei a taça de cristal,  6, 5 e corri para a euforia. Tentei travar só com o direito, (sem política). Tropecei num sofá, esbardalhei - me espalhando espumante, 3, 2, De cócoras e de joelhos engoli, num segundo, as passas sobreviventes, o espumante bebi-o pelo gargalo enquanto a taça me olhava sobre a carpete. Devo ter dito um palavrão que nem eu próprio ouvi, pir causa dos foguetes que apontavam a casa e as arvores estarrecidas. 
Recordei meus Pais, as pessoas que amo e amei, creio que todas como num álbum super - sónico. Como as amei...
E agora o que é que vai acontecer? Pensei algo preocupado. Pelos vistos tenho que me portar melhor desta vez.
Aguardemos o próximo episódio, conclui, enchendo o peito e a coxear, porque só a vida é que sabe. E num instante voltou a calma. O céu lindo parecia sorrir. Eu também.
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terça-feira, 6 de novembro de 2018

O TI LARANJO




Uma madrugada destas, sonhara comigo mesmo, em menino, quando morava em Sassoeiros e com 11 anos ia diariamente até Lisboa para na Estrela  frequentar o Liceu Pedro Nunes.
Mas o que destacara no sonho era a rotina das manhãs a sair com o Ti Laranjo, um homem a rondar os oitenta anos, carregador de bagagens nos comboios da linha de Cascais. Ele e a tia Raquel, da mesma idade, nossos vizinhos, eram um casal muito feliz que casara pela igreja havia pouco, porque a Prof.ª da Escola local insistira, e eu, eu acabara por ser o padrinho de casamento. Íamos e vínhamos diariamente juntos num trajeto onde como dois camaradas íamos aprendendo coisas, um com o outro. De casa 2 quilómetros até à estação e depois até Lisboa. Ao  fim da tarde voltávamos ao mesmo ritmo lento mas conversador.
Ele era de baixa estatura, redondinho e a trajar umas calças, casaco e boné azuis que perderam já a cor e qualquer vinco. Cambaleava ao andar e segurava um saco com o almoço quando ia e que se segurava num dedo dançando vazio no regresso.
No início do século passado o meu amigo fora soldado de Mouzinho de Albuquerque e imaginem, participara em África, Moçambique na prisão do famoso Gungunhana.
Como me lembro dos episódios que ele me relatava como numa telenovela diária em que o seu comandante era o seu, melhor, o nosso herói. Às vezes parávamos na estrada pouco concorrida, para aflorarmos algumas passagens.
Como apreciei aqueles momentos da minha vida. Que saudades.
E acordei precipitado, a pensar em recordar tudo, tudo, mas não me lembrava do nome da mulher  do TI Laranjo. Levantei – me precipitadamente para perguntar à minha mãe... mas também já morrera há mais de 30 anos. Parecia que estava ali. E não estaria?


sábado, 3 de novembro de 2018

Em Olhão o Chef Harmand


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            Em tempo de pós - férias para esquecermos os calores, aqui vai uma breve história de Verão.


Há meia dúzia de anos eu, meio navegador - velejador vi – me forçado a atracar na Ria Formosa junto a Olhão para uma breve reparação no casco do meu navio. Puxaram – me para o estaleiro e aí fiquei durante três dias. Porque era pouco tempo permaneci na embarcação e lá pernoitei. Logo na primeira noite o silencio das altas horas, foi quebrado por um discreto batuque a que um marinheiro não está habituado - A esta hora? – Perguntei eu a mim próprio, intrigado. Desci do Aries pela escada exterior com cuidado e pé ante pé, entre esqueletos de embarcações, andaimes e acessórios náuticos aproximei – me daquele ritual. Sob uma luz discreta dois homens debruçavam – se sobre uma pequena embarcação de madeira que estava a ser ressuscitada.  Fiquei a observa – los com admiração, mas os magos descobriram – me e eu curioso, depois de identificado, fui ouvindo: era uma embarcação há muitos anos naufragada que quereria voltar a navegar. Depois de longas madrugadas de trabalho, era tratada com um carinho desusado a que eu chego a chamar amor. Já estavam nos pormenores finais e ela parecia feliz nos vernizes e cores sóbrias e delicadas que a embelezavam. O carpinteiro na sua vida não náutica fazia acabamentos em janelas, portas, tetos, móveis e tudo a que se chama “carpintaria de limpos”.
Agora só lhe faltavam as velas. Só?, não, porque o sr Armando, o comandante do restauro, num desafio, me pediu que lhe desse um nome. E num repente chamei – lhe Fora d`horas.
Dias depois, como o previsto voltei ao mar e fiz – me ao vento, mas ao longo destes anos vi passar várias vezes o Fora d`horas, esbelto no seu verniz castanho, elegante, suave e convicto ante a admiração de quem gosta de barcos e ali se habituou a admira – lo.
Passaram os anos. 
Uma noite destas fui ao centro de Olhão. Exatamente nas ruas caraterísticas onde já não passam carros e os turistas se acotovelam, resolvi entrar num novo estabelecimento, convidativo pela sua original decoração com madeiras no interior e exterior e com peixe a saltar, entre aspas, para o nosso apetite. 
 Mandei vir sardinhas que me estavam a fazer falta. Devorei – as tranquilamente com um belo vinho e uma salada “à montanheira”, enquanto empregados, um francês outro espanhol e outro ao que me pareceu alemão, corriam lestos e simpáticos de um lado para o outro.
Estava eu já com a última, sobre a imprescindível fatia do pão, como é tradição de Olhão que já suportara mais umas nove e agora pejada do suco impar,  pronta a ser leiloada, quando ao meu lado descubro empertigado o Chef; sapatos e calças brancas, sob um avental longo, azul, colocado com arte e um casaco branco com botões dourados, tipo general herói da 2ª Guerra Mundial. Um lenço azul com suaves riscas a condizer na cabeça e na elegância, encimava um rosto meu conhecido e desta vez, imaginem com um inesperado e insinuante brinco de oiro na orelha esquerda.
Era, nem mais nem menos, que o talentoso e romântico carpinteiro de limpos.
Felicitei – o pela surpresa; dois restaurantes à altura de Olhão e na linguagem atual sob o seu talento, como impõe o turismo promissor.
Quando lhe perguntei quem fez isto tudo olhou – me, não conseguindo esconder uma justa dose de vaidade e a justificar - se, arregaçou os ombros e disse irónico – Foi--- Fora d´horas”-.
Ele, o Chef veio lembrar – me esse barco lindo que naquela noite distante me acordou.
- Vendi – o. Não tenho tempo para tudo -.
- Sim agora é Chefff ! - e apontei para o seu aprumo.
- Sim mas, mas, preciso de um nome – Confessou segredando – me.
Eu disse que  ia pensar, mas ainda faltava o doce que não dispenso ou seja,  a tarte de figo, alfarroba e amêndoa e depois em apoteose a inseparável aguardente de medronho para “lançar ferro”.
Já desaparecera a tarte quando o cheiroso copinho chegou. Era o Chef acompanhado pela esposa quem o trazia.
- Muito obrigado Chef Armammd.
E logo a gentil mulher do Chef que a tudo assistia e ajudava sublinhou. - Sim senhor. Chef Harmand...  pensou mais um pouco – e ...com H?
- Simlaro,  com H e sem O acrescentei,  encantado.