sexta-feira, 29 de julho de 2016

SEMPRE A APRENDER

Escancarei as portas do frigorífico. Ia buscar o yogurte liquido com que faço o granizado para eu e ela nos banqueteamos ao fim das tardes quentes deste verão. A meu lado, ela acompanhava – me  para ajudar e dar sugestões como sempre.
À frente do nariz uma meia dúzia de garrafas iguais jaziam de abertura virada para o interior. Apenas uma já estaria aberta, mas saber qual,  era tarefa chata que se repetia sempre que granizavamos. Retirei uma, depois outra e outra e outra até que enfim encontrei a que já aberta pelas sessões anteriores eu procurava.
- Ufa!!! São todas iguais . Nunca sei qual a que está de serviço.
A pequenita nos seus 6 anos olhava - me com ar crítico.Nem é preciso falar quando nos sentimos ofendidos.
No meu olhar de resposta viu uma certa contrariedade não apenas pelo embaraço da escolha mas também pelo ar zombeteiro da recém nascida.
Com um sorriso malandro - Oh vô é tão fácil não te enganares. Faz assim.
E pegou na garrafa que eu extraíra e deitou – a no mesmo local, mas ao contrário, isto é, com gargalo para fora.

Nem voltei a olhar para ela. Fixado sobre as garrafas que deviam estar a divertir - se comigo, interroguei – me sobre o que eu fiz de todo o tempo da vida que até hoje já desperdicei.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

RONALDO CHOREI CONTIGO


RONALDO CHOREI CONTIGO
(politicamente incorreto)

Chorei eu e chorou aquele menino de dois anos que nas costas do pai , segundo a emocionante descrição dos reportes da RDP, na chegada da seleção,  ostentava um grande cartaz a dizer que chorara contigo.
Agora eu confesso humildemente também,  que chorei contigo mas , atenção, por outros motivos.
Chorei pelo chocante e triste espetáculo de um país de emigrantes que somos, se sentir orgulhoso por ter vencido um Campeonato Europeu de Futebol.
Ser um país de emigrantes é ser um pais pobre, de miséria,  condenado a fazer  lá fora o que os outros se recusam a fazer. passarmos a sentirmos – nos heróis  por uns quantos Cristianos ganharem um jogo de futebol é distorcer a cruel realidade, é enganar tristes tolos. E é por isso que há este terrorismo que dizem ser religioso, mas não é. A religião, como todas, serve pelo descontentamento e pela desgraça,   para atingir os fim que alienam e amordaçam populações.
Confesso também que senti alegria quando ganhamos aos franceses, os donos das casas onde somos porteiros ou serventes mas daí a fazer disto uma Aljubarrota é ridículo e leva – nos a pensar que estamos doentes,  distraídos ou adormecidos.
Que os políticos batam palmas... está no politicamente correto, mas pensar lúcido  é só pelos que, por outras muitas razões, não param de chorar.





quarta-feira, 22 de junho de 2016

O HINO NACIONAL

Esticado no sofá, de telecomando na mão  preparava – me para ver mais um jogo de Portugal neste Europeu tão emotivo. É só assim, nestes preparos, que gosto de ver o desporto rei.
Multidões ululantes, comediantes, ultrajantes e jamais como de antes.  
Equipas perfiladas e tocam – se os hinos. Heróis do mar nobre povo.... e eu por magia, sugestão ou sei lá que mais, regressei meio século atrás.
Era hora do jantar e já estávamos na sala. Sentados à mesa em silêncio, o meu Pai, minha Mãe e minha irmã, ouvíamos expectantes e mudos como num cerimonial. A rádio estava ligada e Artur Agostinho aliciava o Portugal -Espanha em hóquei em patins modalidade onde eramos os melhores. Era uma Aljubarrota repetida sem conta e eu sentia – me o Condestável. Lá estavam magnetizantes Jesus Correia, Correia dos Santos, Sidónio Serpa, Raio, Emídio Pinto e Edgar.
Aos primeiros acordes pusemos  – nos de pé com ar solene, excepto o meu Pai que tinha uma noção muito própria de patriotismo e  por dado às matemáticas sempre longe das coisas terrenas, feitas com os pés e ainda testemunha, a Mabília que ia a entrar com a sopa e parou à entrada, na sala agarrada à terrina como uma bandeira a desdobrar. Também ela se perfilhou.
Eu senti aquele calor interior que procurara encontrar na Mocidade Portuguesa e mais tarde na tropa, infantaria, quando, entre prováveis mortos e feridos, ouvíamos como marteladas no espírito ao acordar na caserna, os hinos de Angola é Nossa.
Momentos houve que até pela face correram – me lágrimas que me transformariam em herói nacional se elas fizessem o que eu queria mas não quiseram.
Recordo que minha Mãe abreviava o agradecimento à Virgem Santíssima, pelo repasto e quanto todos dizíamos Amen  o chefe rematava com um eloquente e eclético pois sim e tomava nas mãos a colher com que daria início ao emocionante jantar.
Tempos depois viria a TV e outras modalidades onde o Hino nos chamava a participar com crescente empenho e espetacularidade. De tal modo que hoje 
o Hino Nacional é mais uma saudade distante que uma realidade concreta.


terça-feira, 14 de junho de 2016

A PESTE GRISALHA


A idade avançada é vista em algumas sociedades como um valor acrescentado, isto é; para além de ter vivido o que a maioria viveu ainda tem mais a aprender e sobretudo a ensinar. Por isso é respeitada e estimada.
Mas infelizmente a sociedade ou a cultura que nos diz respeito, aqui à beira mar plantada, é o resultado de uma formatação especialmente vocacionada para o consumo. Assim, aqui não se aplaude  o idoso que vive da pequena reforma cada vez mais minguada e discutida. Antes pelo contrário, ele é visto como elemento dessa “peste grisalha”, incomoda, fora de prazo e por isso até dispensável.
Não vai longe quem assim pensa. Não tardará a espetar  - se contra o muro da estupidez, da incultura e da hipocrisia que construiu. 
Desses políticos ou pseudo – políticos que assim pensam e bem conhecemos, feitos à pressa, não rezará a história. Pena é que ela os absolva e lhes tenha proporcionado condições para depois de se aboletarem com o que a todos pertence ou devia pertencer continuarem intocáveis e eles sim a provocarem o vómito.
Mas apesar desta espécie até há pouco dominante os atuais múltiplos poderes e pensares tanto entre portas como fora delas serão por moto próprio ou forçados, a reconhecer que o saber está na experiência e não há melhor mestra que a própria vida.

Ela ensinou – nos que “nunca é tarde” e que a melhor moeda, mais valiosa que o ouro é o tempo, não o tempo que esbanjamos, mas aquele em que sentimos que valemos algo e que ainda teremos uma palavra a dizer. Os outros que estejam atentos.   

sábado, 30 de abril de 2016

QUANDO SE ENVELHECE?


Quando se atinge os 50 anos e se olha para trás sentimos – nos velhos e quando chegamos aos 70 e olhamos para trás sentimos – nos novos.

A primeira vez que senti que já não era novo, foi há dias. Eu conto:
Fui a um supermercado onde comprei três garrafas de um vinho tinto que procurara insistentemente.
Quando segurando as ditas preciosidades junto ao peito  me dirigia para o carro deparou – se – me uma jovem senhora (particularmente interessante) que também se dirigia para o seu veículo e abraçava dois pacotes de leite, meia dúzia de yogurtes e um volume de papel higiénico. Ia à minha frente em natural dificuldade nos seus saltos altos, até que estaca tentando segurar tudo com uma mão pois com a outra procurava as chaves do carro.
Como um verdadeiro cavalheiro, cerimonioso e atento aos encantos alheios parei a olhá – la pronto a ajudar. Ela sorriu e mal alcança as chaves deixa tombar o papel higiénico. Lesto dei dois passos, ajoelhei como um pajem polido e afável, para o apanhar,  coisa que fiz graciosamente, mas quando agarrado às garrafas  estava a atingir o papel fui obrigado a colocar o joelho no chão. Então tentei erguer – me  mas com as mãos ocupadas reconheci que tenho faltado ao ginásio e os rins precisam pelo menos de wb40. Gingo para a direita, para esquerda, empertigo – me e as garrafas pareciam que tinham molas; voaram e esbardalharam – se no solo vertendo o almejado néctar. Ela pousou as compras e veio ajudar a levantar, lamentando não poder lavar – me as calças  mas oferecendo – me um rolo para o usar de imediato.

Agarrado a ela levantei –me e limpei – me. Apanhei os cacos e de rolo na mão respondi ao seu aceno enquanto ela se afastava mostrando a sua mágoa.