é um desabafo, uma dor de alma, um grito vertido assim, a medo, mas com uma vontade enorme de mudar o mundo, ou apenas mudar o autor.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
"AS GAJAS NUAS"
Era miúdo e a Playboy americana já era adolescente.
Descobria-a no grupo secreto do liceu onde a devorávamos como romã vermelha e
sumarenta, a passar de mão em mão. Éramos diletantes com a paixão da
descoberta, curiosos por tudo, dispostos à experiência.
Num dia de contrição confessei ao padre a obscenidade.
Por trás do confessionário deve ter ficado a pestanejar até me receitar os “pais
– nossos” que duraram até quando voltei
a revelar o assassínio que se tornou mensal.
Pouco depois vinha a Lui, revista francesa também com “gajas” nuas, mas em francês e,
segundo eu, com artigos mais interessantes que dominava mais facilmente. Era o pecado a
acomodar – se nas redes neuronais em forma de dependência a carecer da cura psicanalítica
freudiana tradicional.
Para não perder os dotes linguísticos escondia – as como
se fossem cadernos e apontamentos, por entre livros de matemática, história ou
português e seguiam – me lubricas como sonhos e fantasias inconfessáveis. Quando
eram substituídas jaziam sob o colchão ou junto aos apetrechos desportivos
escondidas como os pontos negativos ou as mais atrevidas tentativas literárias,
agora ingénuas e inocentes.
Comecei a fazer coleção que sem eu dar por isso foi substituída pela vida real.
Conheci nelas centenas ou até milhares de miúdas de
que ingratamente perdi o rasto. Hoje, nem elas se lembram de mim nem eu delas.
Enfim...
Mas meio século volvido, corajosamente, num gesto
cultural, , como num retrato de época, de hábitos, de estilos e de liberdades, cheguei a mostra - la aos filhos, a quem de
imediato, lubriquei conspícuos olhares
de censura.
Hoje as Playboy e as Lui jazem em caixas de plástico
devidamente rotuladas, à espera não sei de quê.
Mas curiosamente sorriram – me, apesar deste abandono
ingrato.
Até que, até que hoje, Hugh Hefner, que como um
profeta, foi o criador da provocadora Playboy ele que deu a volta aos miolos de centenas de milhões de
jovens pelo mundo inteiro, anunciou que a partir de agora passará a vestir as
suas coelhinhas. É uma blasfémia, um paradoxo, uma incongruência.
Pelos 5 continentes, os mais velhos entreolham – se. As
mulheres, essas, sorriem com ar de vingança. Eu, apenas acho que os homens só
colhem o que está à mão e agora, numa época nova e redentora em que o “takeaway”
e as “energias renováveis” estão na moda,
nada há a temer porque o futuro está garantido.
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
O AMOR É ISTO
O amor é isto
Se há altura em que mais se pensa no amor, é na última fase
da vida. Até aí, é a corrida, muitas vezes atabalhoada à procura dele e a
ilusão de o ter aprisionado. Esta fase, dura um tempo indeterminado, dependendo das características psico –
somáticas do enamorado. Depois, vem a
realidade; o amor é isto, e pronto, “estou feliz!!!!”, ou a frustração, com, ou
sem, o recomeço da procura.
Essa procura pode chegar até ao último dia. E se ele tarda a
chegar, começa a nascer a vontade de que ele chegue mais cedo do que se
esperava, porque o amor é mais que tudo, mais que o dinheiro, a notoriedade, o
ar que se respira. É o pequeno e imortal
gesto de ternura que nos passou ao lado.
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
AI PAPA PAPA
O
Papa Francisco faz acordar em cada um de nós , um de 2 possíveis seres:
O
primeiro dirá que Francisco é um homem corajoso, a imagem de uma Igreja nova ou
renovada, humilde, ao mesmo tempo agressiva, que é determinado e que ao tocar a
alma das multidões desnuda o mundo
materialista que avança semeando injustiça e miséria. Afinal fala do que toda a
gente vê e quer ouvir.
O
segundo dirá que Francisco é um anjo
dessa Igreja que há dois mil anos se repete em preces e rituais e por último,
como todas as outras, promete aos crentes e carentes, melhor vida para depois.
Vendo com mais atenção conclui que Francisco está formatado para a nova
linguagem dos média onde as Religiões surgem como farmácias e a fé como
analgésico que não cura a maleita e adia soluções.
Na
verdade não há nada mais entorpecente numa sociedade do que a “esperança”
palavra bonita ditada pela fé, pela aceitação, pela necessidade de um amanha
quando o hoje está mais que gasto. Os homens, de joelhos vão vivendo de
esperança em esperança. Os políticos conhecem a técnica mas as guerras e o
sofrimento multiplicam – se.
Cabe
aqui pensar que se o Papa Francisco é o porta – voz de Deus, cabe – lhe também
a responsabilidade de ser ouvido por Ele, nos céus, porque em cada minuto que
passa o mundo piora.
Juntemos
– nos nós e peçamos também a Deus que deixe o Papa Francisco zangar – se e que
o autorize a dar dois sonoros e assustadores murros na mesa, perdão, no altar.
segunda-feira, 21 de setembro de 2015
A ALMA TATUADA
Foi
o seu 4º neto quem veio acorda - lo para a realidade das décadas que viveu até
aqui.
Foi
na passada semana.
Já
somava um neto e duas netas quando se anunciou o mais recente. Iria recebe - lo
em aclamação. Seria mais um macho, um rapaz, um homem que confessa, já lhe
segredava entre sonhos e pesadelos:
-
Avô vou
nascer mas com uma condição; quero ser livre, quero trabalhar num país onde a
justiça também viva. Quero ser feliz e quero fazer os outros felizes.
O
velho respondia – lhe com mais esperança do que convicção – Meu querido Tiago as coisas andam
complicadas, mas o mundo está a mudar, verás. É o objectivo de todo o ser
inteligente.
-
Mas eu ainda não nasci. Tenho o direito
de exigir que a Constituição, os Direitos Fundamentais e a dignidade estejam ao
meu alcance. De outro modo não vale a pena nascer. Para um dia emigrar?
O avô mesmo sabendo que os fetos têm destas
coisas, engolia em seco e os nove meses foram passando. Era sensivelmente assim
o diálogo que tinham sempre que se encontravam
nestas quase 52 semanas, até aquela noite que aqui o trouxe.
A
família entrou toda de prevenção.
A
mãe já nas Descobertas, no Parque das Nações numa das mais modernas unidades
hospitalares. Teria que ser naquela noite pois a médica iria para férias no dia imediato e fazia gosto em
ser ela assistir ao parto.
Num confortável quarto, silencioso e bem
apetrechado, a mãe, a dona do mundo, de
barriga para o ar , com um doce mas estranho sorriso olhava como cúmplice.
O Pai de maquina de filmar e fotografar a postos, controlava os altos e os
baixos das contrações.
O avô antes de vir telefonara preocupado a
confirmar se como era tradição na família teriam trazido a primeira roupa que o
menino iria vestir, aquela que ele e o pai vestiram no seu primeiro momento e
que sua mãe, com alguma solenidade por ser uma herança secular, lhe entregara
como uma coroa ou cetro lembrando: Para
que seja Senhor do seu destino e capitão da sua alma.
Tudo OK - fora a resposta ao telefonema.
Só falta ele.
O
silêncio das 23 horas nessa noite calma foi quebrada pela entrada da equipa
médica que, essa sim, iria dar à luz , ao mundo, e a eles, um ser como dádiva
da humanidade e exemplo do maravilhoso milagre da vida.
Despediram
- se apressados da ansiosa mãe com um carinhoso afago na barriga inchada e
intranquila porque portadora de uma avalanche de sonhos e promessas.
Saíram
do quarto e ela foi levada para a Sala de Partos.
A
noite estava quente. Tal como eles, no céu milhares de estrelas aguardavam.
Quinze
minutos depois pregados à porta da Sala de Partos, esta como porta de uma fábrica de seres humanos, abriu
– se solene e reveladora.
Ante
a espectativa, a médica, com uma ponta de orgulho afirmou enquanto a enfermeira
também vestida de verde sublinhava afirmativamente com a cabeça.
-
Um belo
rapaz . Está bem, saudável e até se fartou de berrar.
-
Mais do
que é habitual? Perguntou o avô na qualidade de patriarca cuidadoso, pondo
de lado a curiosidade de saber se os testículos do menino eram negros, porque sempre
ouvira dizer que os que assim os têm são melhores machos. Protelou a estranha dúvida
e ouviu a senhora doutora .
-
Oh Sim, o
ser rapaz gritou que se fartou... E este
tem boa garganta.
O
avô sorriu sem saber porquê e ripostou – Sai
ao avô que háde berrar até à morte.
Ali estava o Homem Novo. Pensava o homem velho que o novo carregava o peso de gerações de trabalho, de
amor, de entrega à missão incomparável de reconstruir o que jamais fora ou será
construído.
Uma cabecita com um barrete enfiado sob um lençol branco que
escondiam os 2 k e 700 do homem prometido. Os olhos pequeninos a abrir e a fechar
como que a não acreditar que é um dos deles.
A mãe de olhos negros ainda mais brilhantes porque transbordava
de felicidade e o pai, esse gravava na alma os momentos em que a espécie humana
lhe mostrava ao que vinha e o que era.
Foi um instante histórico como milhões que se multiplicam pelo
mundo fora a todo o momento com mais ou menos emoções como quadros pendurados
nas paredes.
Oito dias depois os principais intervenientes na história
reuniam – se para ver o novo homem como num ritual de submissão e respeito.
Enquanto as priminhas com medo de lhe tocarem, rodeavam o
recém –nascido, com uma admiração incomparável expressa em sorrisos e
exclamações, os adultos foram assistir ao nascimento no registo paterno.
E de facto, logo no início, os gritos coléricos do recém nascido
justificavam – se plenamente. É que , comprovaram todos ; alguém havia
esquecido vestir - lhe o ancestral e honroso traje da família.
Um ah de surpresa e
desilusão fez parar a projeção. Haviam vestido sim um fato de macaco com um, bem
evidente, inusitado e provocador emblema, MUSTELA. (empresa fabricante de
produtos para criança).
-
E agora ?
– Inquiriu desiludido o avô junto do responsável por tal esquecimento.
-
E agora? –
pausa para afrontar a responsabilidade
- Olha pai, agora é assim. Mal as crianças nascem vestem – lhe um traje.
-
Um traje?
-
Sim pai,
um traje institucional. São acordos comerciais entre empresas, instituições. É
assim.
Em silêncio retirado para um canto, mais uma vez, o ancião curvado e vencido reconheceu triste
que o menino tinha toda a razão para ter gritado desalmadamente. A seguir,
pensou ainda, que a continuar assim, dentro em breve ninguém será Senhor do seu
destino e a alma, essa surgirá tatuada sem que ninguém tenha consciência disso.
Teria que explicar ao neto.
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