segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

VALOR ACRESCENTADO



VALOR ACRESCENTADO (para que conste) 20170827


Era eu puto e andava a correr de um lado para o outro com um gravador às costas. Era o mais imberbe correspondente da Imprensa Estrangeira em Portugal e colaborador do Rádio Clube de Moçambique. Estávamos em guerra, perseguia generais, ministros, gente anónima ou disfarçada e intelectuais; era um ver se te avias.
Uns fugiam de nós, outros ouviam – nos, aceitavam – nos, respondiam e alguns até de micro desligado desabafavam coisas que nos abriam os olhos e a alma, porque tenros na idade éramos mas também assim nos saberes. Um destes era ministro das Colónias e até depois Governador de Moçambique. Chamava – se Baltazar Rebelo de Sousa que tinha um filho que aparecia de quando em vez.
Os tempos mudaram e a minha espingarda também.
No Guincho, praia para os amantes do mar, refugio de sonhadores encontrei muitas vezes o filho do simpático governante. Eu dava um mergulho e fazia uma ou outra carreirinha, ele vestia o fato e pendurava – se nas ondas.
Outras vezes encontrávamos – nos no Muchacho- varanda náutica sublime.
Um cumprimento amigo, o ponto da situação e bye bye que se faz tarde.
O mundo e o país davam voltas e reviravoltas, nós também, mas sempre que nos encontrávamos, eu cada vez mais provocador dizia mal, zombava e anedotava tudo o que observava.
Da última vez que havíamos falado. foi na praia do Palm Beach. Alguém me chamou. Virei – me, Era o professor que voltava de mais um mergulho.
- Então então, Luís o que tem feito?. Deixei de o ver, de ler as suas criticas, os seus textos. Desapareceu?
- Olha o professor.- Armei – me em irónico maquiavélico -  Sabe, nós somos artistas de variedades que vendemos a “banha da cobra”. Umas vezes ela convém outras não. Agora sou eu que me calo.
Ele sorria enquanto despia o fato de borracha, arregalavas sobrancelhas, dizia que sim com a cabeça, equilibrava – se na areia e redarguia – Lá isso é verdade, mas as coisas mudam.
- Bem esperamos professor. Eu espero.
- Não desista - dizia o professor enquanto, antes que eu me espalhasse, alguém abruptamente, me puxava o braço.
- Adeus professor – A gente vê – se.
Eu via – o com frequência na sua fotografia periódica do meu país. Inclusive no dia em que acenando o meu livro “ Pânico à beira – mar”, virando – se para a Judite de Sousa e depois para as camaras –  o Luís fala aqui  de amor, de violência, da informação- E com ar mais sério avisava - Isto é um romance, atenção aviso já, é romance mas é político, muito politico.- Colocou – o no monte e passou a outro.
Pouco depois ele era o Presidente do meu País.- O filho do simpático entrevistado, subia escadas consecutivas. Passara de nadador, a conversador, a confidente, de bom aluno a ilustre professor e agora, minhas senhoras e meus senhores, a respeitável e insofismável responsável por 10 milhões de amigos meus e mais um, contando comigo. Parecia – me que fora como se uma ave que se estima, fugira de repente, esvoaçara e não mais volta. É assim tudo na vida...
Escrevi outro livro. Este com a Guerra e Paz, Deus o Demónio e Eu. Foi lançado. Andei em bolandas nos lançamentos. Dias depois regressado a casa mal pousara a bagagem o telefone tocava desalmadamente.  Que espere que eu nem sabia onde estava o I fone.
Apanhei – o enfim e respirei fundo ao mesmo tempo que vi o numero- terminava em 500.
-Ufa!!! É de valor acrescentado.- pensei não atender, mas dada a insistência:
-Está ? Está? Ate que enfim consegui falar consigo. Primeiro não tinha o numero depois consegui e quero dizer – lhe.- atalhei – Mas quem fala? Quem fala? – Sou eu para lhe dizer que acabei, hoje domingo, de ler o seu livro e gostei- Voltei a interromper acreditando que algum dos meus amigos fizesse uma das suas brincadeiras - A voz não me era estranha – Entrei no gozo.- Sim filho, sim querido está bem pois claro, mas, já agora, quem fala?-
Sou eu, o Marcelo.
– Marcelo? Qual Marcelo?
- O Rebelo de Sousa.
Comecei a gaguejar – Mas qual Marcelo?
O Rebelo de Sousa – acrescentou num tom inconfundível.
Rebelo de Sousa só conheço um...
Sim o Presidente.
O meu Presidente?
Sim!!!! .
Sem dar por isso como no disparo de uma mola nos fundilhos das calças, pus – me pé e só não cantei o hino nacional porque apenas ele, o meu Presidente me ouviria.
Nem sei o que disse, mas foi inesquecível aquela, jamais esperada “chamada de Valor acrescentado”

Sem comentários:

Enviar um comentário