VALOR ACRESCENTADO (para que conste) 20170827
Era eu puto e andava a correr de
um lado para o outro com um gravador às costas. Era o mais imberbe
correspondente da Imprensa Estrangeira em Portugal e colaborador do Rádio Clube
de Moçambique. Estávamos em guerra, perseguia generais, ministros, gente
anónima ou disfarçada e intelectuais; era um ver se te avias.
Uns fugiam de nós, outros ouviam
– nos, aceitavam – nos, respondiam e alguns até de micro desligado desabafavam
coisas que nos abriam os olhos e a alma, porque tenros na idade éramos mas
também assim nos saberes. Um destes era ministro das Colónias e até depois
Governador de Moçambique. Chamava – se Baltazar Rebelo de Sousa que tinha um
filho que aparecia de quando em vez.
Os tempos mudaram e a minha
espingarda também.
No Guincho, praia para os amantes
do mar, refugio de sonhadores encontrei muitas vezes o filho do simpático
governante. Eu dava um mergulho e fazia uma ou outra carreirinha, ele vestia o
fato e pendurava – se nas ondas.
Outras vezes encontrávamos – nos
no Muchacho- varanda náutica sublime.
Um cumprimento amigo, o ponto da
situação e bye bye que se faz tarde.
O mundo e o país davam voltas e reviravoltas,
nós também, mas sempre que nos encontrávamos, eu cada vez mais provocador dizia
mal, zombava e anedotava tudo o que observava.
Da última vez que havíamos falado.
foi na praia do Palm Beach. Alguém me chamou. Virei – me, Era o professor que
voltava de mais um mergulho.
- Então então, Luís o que tem feito?. Deixei de o ver, de ler as suas
criticas, os seus textos. Desapareceu?
- Olha o professor.- Armei – me em irónico maquiavélico - Sabe,
nós somos artistas de variedades que vendemos a “banha da cobra”. Umas vezes ela
convém outras não. Agora sou eu que me calo.
Ele sorria enquanto despia o fato
de borracha, arregalavas sobrancelhas, dizia que sim com a cabeça, equilibrava
– se na areia e redarguia – Lá isso é
verdade, mas as coisas mudam.
- Bem esperamos professor. Eu espero.
- Não desista - dizia o professor enquanto, antes que eu me
espalhasse, alguém abruptamente, me puxava o braço.
- Adeus professor – A gente vê – se.
Eu via – o com frequência na sua
fotografia periódica do meu país. Inclusive no dia em que acenando o meu livro
“ Pânico à beira – mar”, virando – se para a Judite de Sousa e depois para as
camaras – o Luís fala aqui de amor, de
violência, da informação- E com ar mais sério avisava - Isto é um romance, atenção aviso já, é
romance mas é político, muito politico.- Colocou – o no monte e passou a
outro.
Pouco depois ele era o Presidente
do meu País.- O filho do simpático entrevistado, subia escadas consecutivas.
Passara de nadador, a conversador, a confidente, de bom aluno a ilustre
professor e agora, minhas senhoras e meus senhores, a respeitável e
insofismável responsável por 10 milhões de amigos meus e mais um, contando
comigo. Parecia – me que fora como se uma ave que se estima, fugira de repente,
esvoaçara e não mais volta. É assim tudo na vida...
Escrevi outro livro. Este com a
Guerra e Paz, Deus o Demónio e Eu. Foi lançado. Andei em bolandas nos
lançamentos. Dias depois regressado a casa mal pousara a bagagem o telefone
tocava desalmadamente. Que espere que eu
nem sabia onde estava o I fone.
Apanhei – o enfim e respirei
fundo ao mesmo tempo que vi o numero- terminava em 500.
-Ufa!!! É de valor acrescentado.- pensei não atender, mas dada a
insistência:
-Está ? Está? Ate que enfim consegui falar consigo. Primeiro não tinha
o numero depois consegui e quero dizer – lhe.- atalhei – Mas quem fala? Quem fala? – Sou eu para lhe dizer que acabei, hoje
domingo, de ler o seu livro e gostei- Voltei a interromper acreditando que
algum dos meus amigos fizesse uma das suas brincadeiras - A voz não me era
estranha – Entrei no gozo.- Sim filho,
sim querido está bem pois claro, mas, já agora, quem fala?-
Sou eu, o Marcelo.
– Marcelo? Qual Marcelo?
- O Rebelo de Sousa.
Comecei a gaguejar – Mas qual Marcelo?
O Rebelo de Sousa – acrescentou num tom inconfundível.
Rebelo de Sousa só conheço um...
Sim o Presidente.
O meu Presidente?
Sim!!!! .
Sem dar por isso como no disparo
de uma mola nos fundilhos das calças, pus – me pé e só não cantei o hino
nacional porque apenas ele, o meu Presidente me ouviria.
Nem sei o que disse, mas foi
inesquecível aquela, jamais esperada “chamada de Valor acrescentado”
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