domingo, 13 de dezembro de 2015

BUFAR...EU?


 

Ufa que dia!.

Fora de Lisboa, aqui em Olhão, peguei no carro bem cedo para ir a Espanha comprar um apetrecho náutico que muita falta me faz se o vento soprar como o Wind Guru anuncia. Comecei por parar antes de sair da cidade da Restauração, para tomar um rápido pequeno almoço. Encostei o carro a um passeio, meti umas moedas e fui – me ao cafezinho. Depois, arranquei para Ayamonte, uns quarenta e tal quilómetros pela Via do Infante,  com o sistema electrónico como um mealheiro ao contrário, a avisar sobre as frequentes portagens.
O GPS levou – me ao local onde estacionei, meti moedas e lá fui ao Alemão que afinal é Holandês e que é aqui mais conhecido dos mareantes que Júlio Iglésias nos Países Baixos. Voltei a colocar moedas e lá fui ao aviamento.
O ambiente natalício estava em todo o lado. Nota dominante; o numero de idosos lusitanos que em grupos passeia pelas ruas numa euforia juvenil. Exatamente como os espanhóis fizeram por todos os cantos de Cascais nos dias de feriado e ponte de Nossa Senhora da Conceição. Estes não gastam, mas fazem barulho.
Porque os menus aqui não me são fáceis de entender, confesso que se esvaiu o apetite. Motorizei – me e dirigi – me para ocidente. Procurei o inesperado; Castro Marim, um restaurante pequeno com dois casais estrangeiros de roulottes e uma mãe e uma filha portuguesas a mastigarem silenciosas. Atrevi – me a sentar e atirei – me a um péssimo bife que me ia traumatizando com gravidade porque esta tentação da carne é pior que a outra. Saí sem olhar para trás como o único culpado de um dos pecados mortais.
Antevi de novo o plim plim constante das portagens a massacrar - me o cérebro e num ato de pura revolta, resolvi abandonar a Via do Infante e avançar pela mortífera 125.  Iria enfrentar a morte e a loucura do transito local algarvio. Como a despedir – me orgulhoso da minha coragem, achei – me no direito de um belo café com uma aguardente de medronho e um minúsculo bolo almendrado.
Depois de algumas viras e voltas eis – me a entrar pelas geométricas ruas de Vila Real de Santo António, localidade pacata esquartejada com precisão e harmonia pombalinas.
Procurei estacionar próximo de uma esplanada que já conhecia. Havia lugares vagos e placas de pagamento obrigatório.  Porque já ando habituado, lá procurei automaticamente a maquina do dito pagamento. Procurei até que uma senhora idosa, à porta de casa, de vassoura na mão que procurava fazer o seu pequeno rafeiro  entrar em casa, se alheou do fugitivo para me perguntar – O que é que o senhor quer? – A malvada devia já saber, mas queria era conversa para não conversar, mas sim intrigar como qualquer vizinha que se presa faz.  Quero pagar. – Respondi – lhe como cidadão cumpridor das suas obrigações. – Há não paga nada. Pode ir à vontade, esteja descansado vá à sua vida.  Anda cá canito, filho de uma cadela...-
Nem ela é o padre Francisco nem eu sou um marginal portanto vou falar com aqueles dois senhores que ali veem com ar de locais. Falei.
Vim a saber que sim senhor a Câmara tentou colocar ali estacionamentos obrigatórios, mas  - A população não deixou?
Não deixou? Falei eu baixinho- Não senhora. – Passaram a confidenciar os dois peões - Partiram as caixas para as moedas, arrancaram os placares. Eles insistiram e colocaram polícias, mas à noite, sem eles verem as coisas desapareciam. Eles voltavam e nós não deixávamos. Tanto que até agora desistiram....
- E ninguém falou? Lá em cima ninguém falou nisso - Aqui a rádio e o Jornal começaram a falar, depois calaram – se mas – olharam – se um ao outro com um sorriso malandro – mas como vê...vá à sua vontade.
Já a andar ainda respondi. – Vou, vou, e não digo nada. - E lá fui sentar – me na esplanada a “medronhar” e a pensar no povo e na sua liberdade.
Já ao fim da tarde, dei por mim a filosofar pela 125 e ao mesmo tempo a pedir aos céus que não me obrigassem a parar e a bufar, ou seja, soprar para o balão.



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O REALITY SHOW



Seria uma boa experiência para ambos; avô e neta. No dia a seguir seria feriado e os pais fizeram uma ponte. Durante a tarde fora buscar a menina ao infantário. Levou – a a passear, aos baloiços, ao cinema e depois em casa fizeram desenhos e muitas brincadeiras. A sua contribuição seria uma tarde e uma noite com aquela criatura que adorava mas não parava. Tinha sido um dia arrasador e chegada a noite a menina parecia estar com o sono merecido para ambos. O avô preparava – se para ver o telejornal e depois de telecomando na mão partir à descoberta quando o mundo não parava de surpreender em todas as latitudes. Mas eis que a menina avisa solenemente – Só vou para a cama quando o “vovo” for dormir. – E agarrada ao seu peluche saltou para o sofá recostando – se no colo do telespectador, encostando a cabecinha ao peito e agarrando a mão dele parecendo todavia disposta a passar – se rapidamente para o outro lado. Era pelo menos a esperança do avô a merecer o seu tempo de evasão. Com uma mão na dela e outra no comando preparou – se para o “zappping” merecido. 1 RTP- passava uma entrevista, a menina limitou – se a levantar a cabeça e a olhar, ele passou para a 2 – uma comédia que também foi por ela automaticamente vetada, 3 – uma mesa redonda e ela a abanar a cabeça, 4 – era a Quinta, um “reality show”. Ficou ali instantes e foi o avô a avançar para longe mas a catraia reagiu, erguendo a cabeça e mostrando desagrado. O telecomando obediente voltou à 4 enquanto o comandante desanimado esperou que fosse por instantes. Ela recostou – se melhor no colo, mas o tempo passava e não dormia nem queria sair dali. Foi então que o dono do telecomando, defensor da moral e dos bons costumes, partiu ao ataque com voz doce - Não me digas que gostas de ver aquelas raparigas esquisitas a gritar, ridículas, tatuadas, de “collans”, a darem ao rabo, de saltos altos e a mudarem de vestido por tudo e por nada. A miúda continuava de olhos na pantalha alheia às provocações.- E gostas de ver aqueles rapazes em casa de boné, até na cama, de calças rotas, todos tatuados a quererem parecer gorilas de cabelos levantados como os palhaços? A pequena mexeu – se ligeiramente e suspirou fundo. Está acordada ainda,- pensou ele - e eu aqui a falar para um ser humano com 3 anos a uma hora destas. Exasperado – Olha lá meu amor. Tu gostas disto? Eles não são homens nem nada. Andam ali a dizerem mal uns dos outros, a julgarem –se bonitos e bons, mas de nada valem... Não têm nada dentro. Um homem deve aproveitar o tempo com coisas e ideias úteis, ser simples e discreto, educado, digno, honesto, verdadeiro e deve é ajudar os outros. Calou – se. Sentiu – se ridículo a falar assim . A menina largou a mão do avô, fixou os pés descalços no sofá, colocou o peluche de lado, levantou a cabeça, voltou – se para ele, tirou a chucha e com expressão inquiridora mas definitiva – Deve ser como tu não é avô? Como tu. O avô sentiu o mundo a interroga – lo. Milhões ao mesmo tempo e não podia fugir. Estava a ser julgado. Dizer que sim era mentira e que não também era. Pegou na menina e encostou - a ao peito enquanto lhe depositava um beijo na cabecita loira e uma inesperada lágrima lhe corria pela face gasta pelo tempo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

"AS GAJAS NUAS"



Era miúdo e a Playboy americana já era adolescente. Descobria-a no grupo secreto do liceu onde a devorávamos como romã vermelha e sumarenta, a passar de mão em mão. Éramos diletantes com a paixão da descoberta, curiosos por tudo, dispostos à experiência.
Num dia de contrição confessei ao padre a obscenidade. Por trás do confessionário deve ter ficado a pestanejar até me receitar os “pais – nossos” que duraram até  quando voltei a revelar o assassínio que se tornou mensal.
Pouco depois vinha a Lui, revista francesa  também com “gajas” nuas, mas em francês e, segundo eu, com artigos mais interessantes que  dominava mais facilmente. Era o pecado a acomodar – se nas redes neuronais em forma de dependência a carecer da cura psicanalítica freudiana tradicional.
Para não perder os dotes linguísticos escondia – as como se fossem cadernos e apontamentos, por entre livros de matemática, história ou português e seguiam – me lubricas como sonhos e fantasias inconfessáveis.   Quando eram substituídas jaziam sob o colchão ou junto aos apetrechos desportivos escondidas como os pontos negativos ou as mais atrevidas tentativas literárias, agora ingénuas e inocentes.
Comecei a fazer coleção que sem eu dar por isso  foi substituída pela vida real.  
Conheci nelas centenas ou até milhares de miúdas de que ingratamente perdi o rasto. Hoje, nem elas se lembram de mim nem eu delas. Enfim...
Mas meio século volvido, corajosamente, num gesto cultural, , como num retrato de época, de hábitos, de estilos e de liberdades,  cheguei a mostra - la aos filhos, a quem de imediato,  lubriquei conspícuos olhares de censura.
Hoje as Playboy e as Lui jazem em caixas de plástico devidamente rotuladas, à espera não sei de quê.
Mas curiosamente sorriram – me, apesar deste abandono ingrato.
Até que, até que hoje, Hugh Hefner, que como um profeta, foi o criador da provocadora Playboy ele que deu a  volta aos miolos de centenas de milhões de jovens pelo mundo inteiro, anunciou que a partir de agora passará a vestir as suas coelhinhas. É uma blasfémia, um paradoxo, uma incongruência.
Pelos 5 continentes, os mais velhos entreolham – se. As mulheres, essas, sorriem com ar de vingança. Eu, apenas acho que os homens só colhem o que está à mão e agora, numa época nova e redentora em que o “takeaway”  e as “energias renováveis” estão na moda, nada há a temer porque o futuro está garantido.



quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O AMOR É ISTO





O amor é isto
Se há altura em que mais se pensa no amor, é na última fase da vida. Até aí, é a corrida, muitas vezes atabalhoada à procura dele e a ilusão de o ter aprisionado. Esta fase, dura um tempo indeterminado,  dependendo das características psico – somáticas do enamorado.  Depois, vem a realidade; o amor é isto, e pronto, “estou feliz!!!!”, ou a frustração, com, ou sem, o  recomeço da procura.

Essa procura pode chegar até ao último dia. E se ele tarda a chegar, começa a nascer a vontade de que ele chegue mais cedo do que se esperava, porque o amor é mais que tudo, mais que o dinheiro, a notoriedade, o ar que se respira. É o pequeno  e imortal gesto de ternura que nos passou ao lado.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

AI PAPA PAPA



O Papa Francisco faz acordar em cada um de nós , um de 2 possíveis seres:
O primeiro dirá que Francisco é um homem corajoso, a imagem de uma Igreja nova ou renovada, humilde, ao mesmo tempo agressiva, que é determinado e que ao tocar a alma das multidões  desnuda o mundo materialista que avança semeando injustiça e miséria. Afinal fala do que toda a gente vê e quer ouvir.
O segundo dirá que  Francisco é um anjo dessa Igreja que há dois mil anos se repete em preces e rituais e por último, como todas as outras, promete aos crentes e carentes, melhor vida para depois. Vendo com mais atenção conclui que Francisco está formatado para a nova linguagem dos média onde as Religiões surgem como farmácias e a fé como analgésico que não cura a maleita e adia soluções.

Na verdade não há nada mais entorpecente numa sociedade do que a “esperança” palavra bonita ditada pela fé, pela aceitação, pela necessidade de um amanha quando o hoje está mais que gasto. Os homens, de joelhos vão vivendo de esperança em esperança. Os políticos conhecem a técnica mas as guerras e o sofrimento multiplicam – se.
Cabe aqui pensar que se o Papa Francisco é o porta – voz de Deus, cabe – lhe também a responsabilidade de ser ouvido por Ele, nos céus, porque em cada minuto que passa o mundo piora.
Juntemos – nos nós e peçamos também a Deus que deixe o Papa Francisco zangar – se e que o autorize a dar dois sonoros e assustadores murros na mesa, perdão, no altar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A ALMA TATUADA




Foi o seu 4º neto quem veio acorda - lo para a realidade das décadas que viveu até aqui.
Foi na passada semana.
Já somava um neto e duas netas quando se anunciou o mais recente. Iria recebe - lo em aclamação. Seria mais um macho, um rapaz, um homem que confessa, já lhe segredava entre sonhos e pesadelos:
-       Avô vou nascer mas com uma condição; quero ser livre, quero trabalhar num país onde a justiça também viva. Quero ser feliz e quero fazer os outros felizes.
O velho respondia – lhe com mais esperança do que convicção – Meu querido Tiago as coisas andam complicadas, mas o mundo está a mudar, verás. É o objectivo de todo o ser inteligente.
- Mas eu ainda não nasci. Tenho o direito de exigir que a Constituição, os Direitos Fundamentais e a dignidade estejam ao meu alcance. De outro modo não vale a pena nascer. Para um dia emigrar?
 O avô mesmo sabendo que os fetos têm destas coisas, engolia em seco e os nove meses foram passando. Era sensivelmente assim o  diálogo que tinham sempre que se encontravam nestas quase 52 semanas, até aquela noite que aqui o trouxe.
A família entrou toda de prevenção.
A mãe já nas Descobertas, no Parque das Nações numa das mais modernas unidades hospitalares. Teria que ser naquela noite pois a médica iria  para férias no dia imediato e fazia gosto em ser ela assistir ao parto.

 Num confortável quarto, silencioso e bem apetrechado, a mãe, a dona do mundo, de  barriga para o ar , com um doce mas estranho sorriso olhava como cúmplice. O Pai de maquina de filmar e fotografar a postos, controlava os altos e os baixos das contrações.
 O avô antes de vir telefonara preocupado a confirmar se como era tradição na família teriam trazido a primeira roupa que o menino iria vestir, aquela que ele e o pai vestiram no seu primeiro momento e que sua mãe, com alguma solenidade por ser uma herança secular, lhe entregara como uma coroa ou cetro lembrando: Para que seja Senhor do seu destino e capitão da sua alma.
Tudo OK - fora a resposta ao telefonema. Só falta ele.

O silêncio das 23 horas nessa noite calma foi quebrada pela entrada da equipa médica que, essa sim, iria dar à luz , ao mundo, e a eles, um ser como dádiva da humanidade e exemplo do maravilhoso milagre da vida.
Despediram - se apressados da ansiosa mãe com um carinhoso afago na barriga inchada e intranquila porque portadora de uma avalanche de sonhos e promessas.
Saíram do quarto e ela foi levada para a Sala de Partos.

A noite estava quente. Tal como eles, no céu milhares de estrelas aguardavam.
Quinze minutos depois pregados à porta da Sala de Partos, esta como  porta de uma fábrica de seres humanos, abriu – se solene e reveladora.
Ante a espectativa, a médica, com uma ponta de orgulho afirmou enquanto a enfermeira também vestida de verde sublinhava afirmativamente com a cabeça.
-       Um belo rapaz . Está bem, saudável e até se fartou de berrar.
-       Mais do que é habitual? Perguntou o avô na qualidade de patriarca cuidadoso, pondo de lado a curiosidade de saber se os testículos do menino eram negros, porque sempre ouvira dizer que os que assim os têm são melhores machos. Protelou a estranha dúvida e ouviu a senhora doutora .
-       Oh Sim, o ser rapaz  gritou que se fartou... E este tem boa garganta.
O avô sorriu sem saber porquê e ripostou – Sai ao avô que háde berrar até à morte.
Ali estava o Homem Novo. Pensava o homem velho que o novo  carregava o peso de gerações de trabalho, de amor, de entrega à missão incomparável de reconstruir o que jamais fora ou será construído.
Uma cabecita com um barrete enfiado sob um lençol branco que escondiam os 2 k e 700 do homem prometido. Os olhos pequeninos a abrir e a fechar como que a não acreditar que é um dos deles.
A mãe de olhos negros ainda mais brilhantes porque transbordava de felicidade e o pai, esse gravava na alma os momentos em que a espécie humana lhe mostrava ao que vinha e o que era.
Foi um instante histórico como milhões que se multiplicam pelo mundo fora a todo o momento com mais ou menos emoções como quadros pendurados nas paredes.

Oito dias depois os principais intervenientes na história reuniam – se para ver o novo homem como num ritual de submissão e respeito.

Enquanto as priminhas com medo de lhe tocarem, rodeavam o recém –nascido, com uma admiração incomparável expressa em sorrisos e exclamações, os adultos foram assistir ao nascimento no registo paterno.

E de facto, logo no início, os gritos coléricos do recém nascido justificavam – se plenamente. É que , comprovaram todos ; alguém havia esquecido  vestir - lhe o ancestral e honroso  traje da família.
 Um ah de surpresa e desilusão fez parar a projeção. Haviam vestido sim um fato de macaco com um, bem evidente, inusitado e provocador emblema, MUSTELA. (empresa fabricante de produtos para criança).

-       E agora ? – Inquiriu desiludido o avô junto do responsável por tal esquecimento.
-       E agora? – pausa para afrontar a responsabilidade - Olha pai, agora é assim. Mal as crianças nascem vestem – lhe um traje.
-       Um traje?
-       Sim pai, um traje institucional. São acordos comerciais entre empresas, instituições. É assim.

Em silêncio retirado para um canto, mais uma vez,  o ancião curvado e vencido reconheceu triste que o menino tinha toda a razão para ter gritado desalmadamente. A seguir, pensou ainda, que a continuar assim, dentro em breve ninguém será Senhor do seu destino e a alma, essa surgirá tatuada sem que ninguém tenha consciência disso.
Teria que explicar ao neto.