terça-feira, 9 de junho de 2015

CRIME e CASTIGO

Eu e uns amigos paramos antes de chegarmos à Ria Formosa e fomos ao Lidl de Olhão. Cada um tinha uma compra a fazer. Um era o Wiscky  Jaques  Daniels que não encontraria, outro era Água Tónica para o Heendricks, o seu gin e eu queria um compressor minúsculo que se liga à ficha de um automóvel ou de uma embarcação, para encher o semi - rígido. Em presença dele viria a concluir que afinal, no mar,  longe da costa o melhor é poupar a energia que se esvai num instante. E então, desiludido, condenado a encher à mão, voltei a colocar o “aparelhómetro” onde o havia retirado.
Deambulei um pouco e deparei – me com uma tentação original; pistácios. Tinham bom aspecto, boa cor e bem preenchidos. Mas, a verdade é, que não estava afim de comprar fosse o que fosse e muito menos pistáchios até porque ainda deveria ter na embarcação o suficiente para uns copos.
Os outros haviam já passado das bebidas para outras curiosidades. Foi quando eu senti o drama que sempre sinto nos estabelecimentos e que se apodera de mim sobretudo se tal se passa num Centro Comercial ou numa Grande Superfície.
Respirei fundo, controlei - me e segui com o olhar duas estrangeiras, jovens e alegres que mexiam em tudo e pouco levavam na cesta. Colocavam óculos, experimentavam soutiens, calças jeans...   
De repente, quis o destino, vi – me outra vez frente aos pistáchios. Espreitavam num recipiente de tampa de plástico com um orifício a oferecerem – se que nem jovens com o cio.
Já não estou na flor da idade – pensei - para não resistir a estes convites de ocasião, a estes desafios carregados de imoralidade e sedução.
Mas, a carne é fraca e eu estava mesmo a merece – la: como quem não está interessado enfiei a mão e abocanhei com ela uma dúzia das pedras preciosas. De imediato fui vitima de paralisia momentânea, mas quando somos empurrados pelo lado corrupto da vida já não paramos.
Voltei às andanças e embrenhei – me nos pistáchios que em fila se me ofereciam gulosos e traiçoeiros para que os provasse um a um. Na outra mão iam crescendo os restos do pecado enquanto os meus amigos aguardavam já pacientemente a sua vez na caixa.
Discretamente prossegui a nova missão que era devorar sem dar nas vistas o produto da feia ação. Uma vez chegado ao fim e satisfeita a curiosidade gustativa ou gula, o peso e o incomodo  das cascas na mão assemelhavam – se ao peso da consciência.- Roubaste uns dez pistácios e nem gastaste um cêntimo. Como é possível teres roubado, sim porque já sabias que não ias compra –los? – Mas saber da qualidade de um produto esta só pode ser confirmada pelo próprio e desta maneira. Retorqui a mim próprio ao lavar a consciência que voltava ao lugar que sempre foi seu.
O pior estava para vir:
Onde vou agora largar as cascas comprometedoras? Como se nada tivesse na mão procurei um cesto, um caixote do lixo, mas não tardei a reconhecer que ali não há lixo nem se come. – Conclui - Leva – se para casa e pronto. Não. Seria pior se tivesse metido os restos do crime no bolso.
Num lado do estabelecimento estava um homem que devia ser o gerente ao telefone, no outro, na entrada, estava um jovem segurança no seu posto de observação. Ainda pensei perguntar – lhe onde poderia depositar a prova do pecado, mas  cobardemente a coragem foi –se.
Deixar as cascas  como quem não quer a coisa, na zona das frutas, do vestuário, dos vinhos, dos brinquedos, das rações para animais, era fácil, bastava abrir a mão, mas não. Era apagar o rasto do delito num gesto pérfido.
Com o olhar rodei 180 graus. Não havia qualquer perigo no horizonte; espiões, detectives, câmaras ou drones. Aproximei – me da saída, parei a fingir que ainda lia a capa de uma revista a Caras, e ao baixar o olhar para o rodapé como que admirado, abri a mão. Senti a queda das casquinhas junto aos pés como as folhas secas de uma árvore no Outono.
Senti – me  enfim livre de uma séria responsabilidade a atraiçoar os meus cabelos brancos.
Mas um crime tem sempre um castigo. Do céu, do chão, ou detrás das revistas o jovem segurança com ar sério e duro surgiu e apontou – me para os pés.
Entendi de imediato: Apanhei as vinte casquinhas e só não pedi mais desculpas para não parecer exagerado. Saí e então encontrei um caixote do lixo onde não entrei por amor próprio e para que a odisseia não se ficasse por aqui.
Pouco depois, de cabeça erguida e ostensivamente, comprei 250 gramas..





Sem comentários:

Enviar um comentário