Eu e
uns amigos paramos antes de chegarmos à Ria Formosa e fomos ao Lidl de Olhão.
Cada um tinha uma compra a fazer. Um era o Wiscky Jaques
Daniels que não encontraria, outro era Água Tónica para o Heendricks, o seu
gin e eu queria um compressor minúsculo que se liga à ficha de um automóvel ou
de uma embarcação, para encher o semi - rígido. Em presença dele viria a concluir
que afinal, no mar, longe da costa o
melhor é poupar a energia que se esvai num instante. E então, desiludido, condenado
a encher à mão, voltei a colocar o “aparelhómetro” onde o havia retirado.
Deambulei
um pouco e deparei – me com uma tentação original; pistácios. Tinham bom
aspecto, boa cor e bem preenchidos. Mas, a verdade é, que não estava afim de comprar
fosse o que fosse e muito menos pistáchios até porque ainda deveria ter na
embarcação o suficiente para uns copos.
Os
outros haviam já passado das bebidas para outras curiosidades. Foi quando eu
senti o drama que sempre sinto nos estabelecimentos e que se apodera de mim sobretudo
se tal se passa num Centro Comercial ou numa Grande Superfície.
Respirei
fundo, controlei - me e segui com o olhar duas estrangeiras, jovens e alegres que
mexiam em tudo e pouco levavam na cesta. Colocavam óculos, experimentavam
soutiens, calças jeans...
De
repente, quis o destino, vi – me outra vez frente aos pistáchios. Espreitavam
num recipiente de tampa de plástico com um orifício a oferecerem – se que nem
jovens com o cio.
Já não estou na flor da idade – pensei -
para não resistir a estes convites de
ocasião, a estes desafios carregados de imoralidade e sedução.
Mas,
a carne é fraca e eu estava mesmo a merece – la: como quem não está interessado
enfiei a mão e abocanhei com ela uma dúzia das pedras preciosas. De imediato
fui vitima de paralisia momentânea, mas quando somos empurrados pelo lado
corrupto da vida já não paramos.
Voltei
às andanças e embrenhei – me nos pistáchios que em fila se me ofereciam gulosos
e traiçoeiros para que os provasse um a um. Na outra mão iam crescendo os
restos do pecado enquanto os meus amigos aguardavam já pacientemente a sua vez
na caixa.
Discretamente
prossegui a nova missão que era devorar sem dar nas vistas o produto da feia ação.
Uma vez chegado ao fim e satisfeita a curiosidade gustativa ou gula, o peso e o
incomodo das cascas na mão assemelhavam
– se ao peso da consciência.- Roubaste
uns dez pistácios e nem gastaste um cêntimo. Como é possível teres roubado, sim
porque já sabias que não ias compra –los? – Mas saber da qualidade de um
produto esta só pode ser confirmada pelo próprio e desta maneira. Retorqui
a mim próprio ao lavar a consciência que voltava ao lugar que sempre foi seu.
O pior estava para vir:
Onde vou agora largar
as cascas comprometedoras? Como se nada tivesse na mão procurei um cesto,
um caixote do lixo, mas não tardei a reconhecer que ali não há lixo nem se
come. – Conclui - Leva – se para casa e
pronto. Não. Seria pior se tivesse metido
os restos do crime no bolso.
Num lado do estabelecimento estava um homem que devia ser o
gerente ao telefone, no outro, na entrada, estava um jovem segurança no seu
posto de observação. Ainda pensei perguntar – lhe onde poderia depositar a
prova do pecado, mas cobardemente a coragem
foi –se.
Deixar as cascas como
quem não quer a coisa, na zona das frutas, do vestuário, dos vinhos, dos
brinquedos, das rações para animais, era fácil, bastava abrir a mão, mas não.
Era apagar o rasto do delito num gesto pérfido.
Com o olhar rodei 180 graus. Não havia qualquer perigo no
horizonte; espiões, detectives, câmaras ou drones. Aproximei – me da saída,
parei a fingir que ainda lia a capa de uma revista a Caras, e ao baixar o olhar
para o rodapé como que admirado, abri a mão. Senti a queda das casquinhas junto
aos pés como as folhas secas de uma árvore no Outono.
Senti – me enfim livre
de uma séria responsabilidade a atraiçoar os meus cabelos brancos.
Mas um crime tem sempre um castigo. Do céu, do chão, ou
detrás das revistas o jovem segurança com ar sério e duro surgiu e apontou – me
para os pés.
Entendi de imediato: Apanhei as vinte casquinhas e só não
pedi mais desculpas para não parecer exagerado. Saí e então encontrei um
caixote do lixo onde não entrei por amor próprio e para que a odisseia não se
ficasse por aqui.
Pouco depois, de cabeça erguida e ostensivamente, comprei
250 gramas..
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