Só quando ontem a maquilhadora me arrancou dali, nos estúdios da RTP, contrafeito interrompi o diálogo iniciado minutos antes. com Dinis de Almeida. Ele iria depois de mim à caracterização. A conversa secreta foi forçada a um intervalo.
Eu
estava a ouvir coisas que jamais imaginaria.
Falávamos
do 25 de Abril de 74. Ambos éramos jovens na altura, mas nem por isso
inconscientes ou estúpidos.
Eu, farejador
de notícias, repórter da SABC e uma mão cheia de jornais e rádios
(estrangeiras), ele já comandante de artilharia e altamente comprometido com a
revolução dos cravos.
Não
o havia reconhecido à primeira mas ao iniciarmos o flash back da odisseia identifiquei - o como uma das figuras mais
controversas da data histórica e das convulsões que se seguiram.
Os
seus olhos de expressão fria, pele e cabelos brancos, ventre dilatado num corpo volumoso e alto compõem a
figura atual do coronel outrora garboso
truculento e determinado.
Forjara
então com outros o golpe arrojado, dera o primeiro passo, o segundo e o terceiro
mas os companheiros da aventura acharam demais. Prenderam – no manietando o
idealista o fogoso comandante o arrojado militar que de heroi passava a "O Fitipaldi das chaimite". Depois da vitória sonhada
para um País a renascer, nascia a sua derrota pessoal de quem se envolvera "de mais" no 25 de Abri, no 11 de Março e no 25 de Novembro. Ai estava o primeiro preso pilitico.
Só
os vencedores podem contar a história, mas, mas contam - na à sua maneira.
Muito mais haveria a saber mas a caracterização exigia. Íamos ser entrevistados em direto
naquela manhã no decorrer de um programa especial sobre a efeméride na RTP1.
Pouco
depois a caminho de cenário eu dava-lhe ao ícone da Revolução nomes e ele
atirava – me adjetivos. “Esse era um cobardolas. Tanto que desapareceu. Esse, naquela
noite deixou o regimento e foi dormir a casa. O Otelo? Ah o Otelo, foi ocupar a
Legião onde não havia ninguém. Não sabia o que andava a fazer. Foi ele que me
prendeu. Estava feito com o Rolhas. Rolhas era o Presidente da República.” Falei de outro nome sonante: “Esse apareceu
depois para se juntar, como a maior parte deles”.
Tinha
datas na memória e fotos.
Estava
ali o mais indesejado militar de Abril e com tanto que contar. Senti nauseas.
Chiu!
Chiu! Ordenava o assistente de realização.
Afinal
eu sentia como ele quando em tão poucos dias assistira às cambalhotas que
tantos jornalistas, artistas, gente da Comunicação dava para segurar um “tacho”e
não perder o “comboio”.
Juntou-se–nos
o Manuel Tomás que também seria entrevistado. Fora ele, como operador de rádio,
quem disparara no Rádio Clube Português, na noite da Revolução a canção “E
depois do adeus” que seria a “password” para os militares revolucionários. Hoje
é realizador e professor Universitário. Tinha alunos à espera e quase não
falámos.
Foi Manuel
o primeiro a ser ouvido, depois o Diniz que nem de longe contou o quereria
contar ... e eu queria ouvir, E depois
fui eu que segundo a produção terei sido o primeiro jornalista a reportar os
acontecimentos para fora de Portugal. Com efeito naquela madrugada, depois de
uma emissão do Clube Radiofónico de Portugal, onde era locutor, ao dirigir – me
para casa, no Blaupunkt do meu Mini, verifiquei que a outra rádio estava a
transmitir marchas militares. Pouco depois nas imediações de Entre Campos tive que dar
passagem a um cortejo de Berliets, Chaimites e Jeeps no bom estilo de guerra
urbana. Atrelei – me ao último e segui o Salgueiro Maia até à rendição de
Marcelo. Longas horas emocionantes e apaixonantes para um jovem repórter que assistia à narração da história de um
povo mal tratado.
Quarenta
e um anos volvidos as entrevistas foram relâmpagos. O que quereríamos dizer não
dissemos. Aplausos, mais aplausos e um corro de adolescentes ataca a “Grandola Vila
Morena” enquanto cada entrevistado sai cada qual por uma porta diferente, sem
terem feito ouvir os segredos do Coronel nem os lamentos do jornalista.
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