sexta-feira, 4 de março de 2016

ASSIM SE PERDE O APETITE




Entrei no restaurante e vi –o numa mesa com uma senhora talvez da mesma idade, isto é, com uma "velhota".
Reconheci – o porque ao longo dos últimos 20 anos habituara – me a vê – lo no Verão pelas praias do Estoril e Cascais a dar mais nas vistas do que qualquer um de nós.  
Nos locais onde havia mais gente e se possível frente a uma esplanada como se fosse uma plateia, o nosso amigo começava uma sessão de aquecimento qual vedeta do desporto.  E quando já se não esperava mais fazia sequências de fliques - flaques, de mortais para a frente e para trás e passeava de pernas para o ar.
Noutras alturas via- o em exercícios mais arrojados; subia para a muralha ou ao murete de uma ponte sobre o mar e as rochas e  ante a admiração de transeuntes e sobretudo turistas, espectadores atónitos, fazia um perigosíssimo pino correndo o risco de se despedaçar sobre os bicos dos rochedos que o esperavam lá em baixo.
Até quando é que este ex - septuagenário, já octo, continuará a arriscar a vida, perguntava eu?
Na última época não o vi e eis que o vejo afiambrado ali com a sua namorada e por certo admiradora dos seus atos, sem medo nem idade.
Terminou o repasto e reconheceu – me quando se erguia a custo. À saída parou junto a mim. Cumprimentamos – nos e quando reparei que o herói mancava, usava bengala e amparava – se, nela e na dama, travei a garfada e perguntei : Então?

Ele, com o olhar mortiço, que havia estacado como vítima de um assassínio apontou primeiro para a bengala e depois para ela que abanava a cabeça pedindo clemência. Pensei o pior. Ainda de garfo e faca com uma isca em riste, ouvi a história na voz trémula da senhora; “Foi no dia dos namorados. Saí e fui ao cabeleireiro Ficou só em casa. Quis fazer – me uma surpresa; montar, na sala um reposteiro, lindo, às flores. Pegou num escadote, subiu e caiu. Quando cheguei ainda estava no chão. Não conseguia levantar – se. Nunca mais esquecerei”. Rematou ela a concluir com um suspiro longo. “Nem eu”, sublinhou ele, “Nem eu” engoli eu ao mesmo tempo que me arrependia da isca que me fez perder o apetite.

Sem comentários:

Enviar um comentário