quinta-feira, 25 de junho de 2015

CONFLITO DE GERAÇÕES



“Nunca é cedo para ensinar nem tarde para aprender”
leps


Porra, isto não pode continuar. Gritou o ancião a fulminar o resto da família ao mesmo tempo que  esbracejava e colérico se levantava do cadeirão frente à TV .
Estava pior que uma barata. Resvalava até para a má educação, coisa que jamais permitira a ninguém muito menos a si próprio.
Então o meu neto anda de calças a caírem pelas pernas a baixo, a verem – se – lhe as cuecas, de barba crescida e de boné ao lado, como um marginal, um delinquente? Mas o que é isto? Ao que chegamos?
Olhavam – no com a dose de respeito que o chefe da família merece e ao mesmo tempo com o um silencio que manifestava inteiro acordo.
É uma ver – go - nha – e todos fizeram sim com a cabeça.
A verdade é que ninguém aprovava a caricatura que o rapaz transportava consigo, para onde quer que fosse; para a escola, para a praia ou até num passeio de família.
Amanhã vou mete – lo na ordem. Haja disciplina e respeito.....


O rapaz passaria lá por casa para levar uns acessórios acústicos que o avô lhe dispensara.
O “patriarca” esperava – o com uma crescente irritação como se esperasse uma reunião com um credor desonesto ou um herege provocador, a merecer vergastadas ou mesmo fuzilamento.  Aqui  franziu a testa e reconheceu que não chegaria a esse ponto mas sim, que a lição ficaria na memória do atrevido adolescente.
O encontro teria que merecer toda a respeitabilidade inerente ao diálogo entre o mais velho e o mais novo de uma família que se preza, que por tradição e cultura preserva a hierarquia e o saber possível. Para tanto proibiu a presença de mais alguém no espaço reservado ao duelo.

Ei – lo que chega; como sempre, desengonçado num disfarce inqualificável, chancela de mau gosto de desmazelo de desafio aos mais velhos, à educação implantada e até (perdoem  - me) até à civilização ocidental. Assim pensava enquanto com poucas palavras fe – lo sentar – se à sua frente, não num sofá, mas numa cadeira de madeira a uma mesa preta de jogo quadrada que nada tinha no tampo de napa castanha.
Guardou um silêncio com toda a certeza de despertar uma reflexão que seria ao mesmo tempo uma forma de estabilização emocional para ambos.

Olharam – se nos olhos fixamente ao mesmo nível numa expressão fria e desafiadora como dois lutadores de luta livre a centímetros antes do início da peleja.
O avô quebrou o silêncio e na sua voz grave e solene –
Aqui estamos frente a frente. – Respirou fundo a sublinhar a expectativa - De homem para homem, quero dizer – te que não gosto da maneira como te vestes. Parou para que o eco entrasse na alma do antagonista. Media as palavras antes de o torcer como a mulher a dias torce o esfregão da limpeza. Ia continuar. O jovem, numa expressão angelical, sem revelar temor, preocupação ou aborrecimento levantou delicadamente um dedo.

Fala – autorizou o avô  -
Pergunto – lhe só de homem para homem...fez uma pausa abrindo ligeiramente os olhos escuros, perspicazes e inteligentes - ... e o avô já me perguntou se gosto da sua maneira de vestir?
    
O pobre homem esperava tudo menos aquela resposta seca como soco sem defesa nos queixos do adversário que rodearia sobre os calcanhares e tombaria no solo se aqui não se tratasse apenas de um diálogo.

Titubeou ainda quase KO – tens razão Pá. E mais não disse. Não tinha para dizer.
Levantou – se com solenidade. O rapaz fez o mesmo.
Ambos respiravam fundo.

Sorriram ambos e num gesto jovem o velho levantou o braço com a mão aberta que embateu na que o  rapaz com o mesmo jeito lhe oferecia.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

E A TAP VOOU

Parece ter sido um ato de magia, de malabarismo ou outro como o de desaparecer uma carteira na fila para o autocarro, mesmo com muita gente à volta. Bem urdido por gente que sabe destas manobras. É que custa a acreditar que alguém que respeite o seu país, que tenha um mínimo de noção do que é economia ou mesmo que tenha tido algo de seu, herdado qualquer coisa, por mais mal que estivesse na vida, resolvesse vender sem procurar mais nenhuma solução. Sempre foi assim; os ricos compram, os pobre vendem. Vendem até poderem mas empobrecem cada vez mais, até se tornarem em desgraçados instrumentos de uns quantos habilidosos. É ridículo e descabido até, dizer que a TAP Companhia Nacional mundialmente conhecida, não era rentável. Não era? E agora já é? Já vai ser? Quem comprou, comprou exatamente porque acha que não é rentável? Querem enfiar – me o barrete? Estava era mal gerida como a maior parte das empresas fundamentais e alicerces de uma estrutura social, fundamentais e determinantes sofrem com as vendas, amputações ou com o vírus das privatizações, doença rentável para alguns políticos como acontece com, outras maleitas bem vindas para a industria farmacêutica. Os políticos que lutam ferozmente para privatizar um país total ou parcialmente revelam uma incapacidade nata para gerir ou para criar como seria natural esperar deles. “O Estado não está vocacionado para tal”, dizem crédulos, os neo - liberais perdidos na sua cegueira devoradora que semeia a pobreza como se tem visto, colhe a angustia crescente de um povo e a dúvida quanto a um futuro onde justiça, democracia e soberania sobrevivam. Resta – nos apenas uma satisfação ; vai custar – nos quando acordarmos mas, ao abrirmos os olhos seguramente, aprenderemos a lição.

terça-feira, 9 de junho de 2015

CRIME e CASTIGO

Eu e uns amigos paramos antes de chegarmos à Ria Formosa e fomos ao Lidl de Olhão. Cada um tinha uma compra a fazer. Um era o Wiscky  Jaques  Daniels que não encontraria, outro era Água Tónica para o Heendricks, o seu gin e eu queria um compressor minúsculo que se liga à ficha de um automóvel ou de uma embarcação, para encher o semi - rígido. Em presença dele viria a concluir que afinal, no mar,  longe da costa o melhor é poupar a energia que se esvai num instante. E então, desiludido, condenado a encher à mão, voltei a colocar o “aparelhómetro” onde o havia retirado.
Deambulei um pouco e deparei – me com uma tentação original; pistácios. Tinham bom aspecto, boa cor e bem preenchidos. Mas, a verdade é, que não estava afim de comprar fosse o que fosse e muito menos pistáchios até porque ainda deveria ter na embarcação o suficiente para uns copos.
Os outros haviam já passado das bebidas para outras curiosidades. Foi quando eu senti o drama que sempre sinto nos estabelecimentos e que se apodera de mim sobretudo se tal se passa num Centro Comercial ou numa Grande Superfície.
Respirei fundo, controlei - me e segui com o olhar duas estrangeiras, jovens e alegres que mexiam em tudo e pouco levavam na cesta. Colocavam óculos, experimentavam soutiens, calças jeans...   
De repente, quis o destino, vi – me outra vez frente aos pistáchios. Espreitavam num recipiente de tampa de plástico com um orifício a oferecerem – se que nem jovens com o cio.
Já não estou na flor da idade – pensei - para não resistir a estes convites de ocasião, a estes desafios carregados de imoralidade e sedução.
Mas, a carne é fraca e eu estava mesmo a merece – la: como quem não está interessado enfiei a mão e abocanhei com ela uma dúzia das pedras preciosas. De imediato fui vitima de paralisia momentânea, mas quando somos empurrados pelo lado corrupto da vida já não paramos.
Voltei às andanças e embrenhei – me nos pistáchios que em fila se me ofereciam gulosos e traiçoeiros para que os provasse um a um. Na outra mão iam crescendo os restos do pecado enquanto os meus amigos aguardavam já pacientemente a sua vez na caixa.
Discretamente prossegui a nova missão que era devorar sem dar nas vistas o produto da feia ação. Uma vez chegado ao fim e satisfeita a curiosidade gustativa ou gula, o peso e o incomodo  das cascas na mão assemelhavam – se ao peso da consciência.- Roubaste uns dez pistácios e nem gastaste um cêntimo. Como é possível teres roubado, sim porque já sabias que não ias compra –los? – Mas saber da qualidade de um produto esta só pode ser confirmada pelo próprio e desta maneira. Retorqui a mim próprio ao lavar a consciência que voltava ao lugar que sempre foi seu.
O pior estava para vir:
Onde vou agora largar as cascas comprometedoras? Como se nada tivesse na mão procurei um cesto, um caixote do lixo, mas não tardei a reconhecer que ali não há lixo nem se come. – Conclui - Leva – se para casa e pronto. Não. Seria pior se tivesse metido os restos do crime no bolso.
Num lado do estabelecimento estava um homem que devia ser o gerente ao telefone, no outro, na entrada, estava um jovem segurança no seu posto de observação. Ainda pensei perguntar – lhe onde poderia depositar a prova do pecado, mas  cobardemente a coragem foi –se.
Deixar as cascas  como quem não quer a coisa, na zona das frutas, do vestuário, dos vinhos, dos brinquedos, das rações para animais, era fácil, bastava abrir a mão, mas não. Era apagar o rasto do delito num gesto pérfido.
Com o olhar rodei 180 graus. Não havia qualquer perigo no horizonte; espiões, detectives, câmaras ou drones. Aproximei – me da saída, parei a fingir que ainda lia a capa de uma revista a Caras, e ao baixar o olhar para o rodapé como que admirado, abri a mão. Senti a queda das casquinhas junto aos pés como as folhas secas de uma árvore no Outono.
Senti – me  enfim livre de uma séria responsabilidade a atraiçoar os meus cabelos brancos.
Mas um crime tem sempre um castigo. Do céu, do chão, ou detrás das revistas o jovem segurança com ar sério e duro surgiu e apontou – me para os pés.
Entendi de imediato: Apanhei as vinte casquinhas e só não pedi mais desculpas para não parecer exagerado. Saí e então encontrei um caixote do lixo onde não entrei por amor próprio e para que a odisseia não se ficasse por aqui.
Pouco depois, de cabeça erguida e ostensivamente, comprei 250 gramas..