quarta-feira, 16 de outubro de 2013

RUMO AO SUL

Tenho anunciado pela editora o lançamento do Pânico à Beira - Mar para o
próximo dia 18. Estou farto de Cascais, de Lisboa, da Aldeia, de casa, de mim. Parece que transporto um fardo sobre os ombros. Canso - me porque um dos cães, o novo de 3 meses filho de pastores belga e alemão, chamado Ruka (batizado pela Nono em homenagem ao seu ídolo da BD, mas com K pela origem germânica e ao que parece nazi) quer brincar, porque limpar os terraços já que não tarda vem chover a valer é um frete, porque a Maria do Céu não sabe onde arrumou as minhas T shirts pretas, porque o homem com dois russos que derrubaram 10 pinheiros que ameaçavam cair não cortou a lenha para a lareira, porque na Repsol são sempre os mesmos, as 4 gajas boas, os 5 famosos cagões, os políticos aldrabões, vindos dos refúgios da Malveira e da Serra de Sintra. Tomo o café da manhã e sei que a tarde será igual à de ontem e à de amanhã. Na Casa da Imprensa o orador vai ser Artur Portela, curiosamente no salão que tem o nome do seu pai. Gente ilustre e que aprecio. Sei que leu o livro duas vezes. Mas nem sei se gostou. Também não me interessa já que o gozo foi escreve – lo. Agora o resto não é comigo, é com quem o ler. Vou ter que colocar gravata e levar casaco. Fui agora interrompido pelo sr. Helder da Casa da Imprensa; diz que sim, que posso levar um cd com o triplo concerto de Beethoven que percorre o romance. Tem que ser cd porque não há ali entrada para pen. Ainda tenho tempo para fugir. Marco tudo para dois dias antes e faço - me à estrada entretanto. Quero acordar sobre as ondas, ouvir as gaivotas e o tagarelar dos algarvios. Ouvir as suas histórias e as suas mentiras. Beber uns copos e dormir com os reflexos das águas a entrar pelo cortinado do camarote. Vou. Encho o depósito cada vez mais caro e arranco. Ultrapasso Lisboa engarrafada e aponto ao Alentejo.
RUMO AO SUL II Os sobreiros retorcidos mas alinhados entre si sobem e descem as colinas num desenho suave, tranquilo como os alentejanos a andar ou a fazer qualquer coisa. O carro parece que sabe o caminho. Engole os tracinhos brancos no alcatrão. Fugi de casa e a 200 quilómetros vi que saí com fome ou ela apanhou – me na estrada. Telefono para o Camões a saber que tem para almoçar. Depois dela parar de rir porque atrevido, perguntei se era o Camões quem falava, vim a saber que me esperam carnes; grelhada mista e secretos de porco preto. Disse que sim e carreguei no acelerador.
Saí 10 quilómetros da A2 – Lisboa – Algarve, para nascente e depois de alguns chaparros e curvas entrei em Almodovar e no restaurante habitual. Na mesa, azeitonas verdes e pretas gordinhas a saber a azeite e a oregãos, fatias de paio de porco preto em pas de deux com fatias de queijo de cabra meia cura, pão e vinho tinto alentejanos, olharam – me como se já me conhecessem e esperassem desde a última vez. Devorei as saudades, uma a uma como um apaixonado. Depois vieram os secretos que eu, com relutância, aguardava porque julgava tratarem – se dos testículos do bácoro. Achei - os grandes em demasia e a estalajadeira logo me tranquilizou pois tratam – se de partes escondidas das costelas, não do puto porco mas do porcalhão. Confiante, fui – me a eles acompanhado por umas batatas fritas de feliz ocasião, e uma salada fresca de tomate, cebola e alface. Já eu cantava louvores, quando a senhora desceu sobre mim e me interrogou no seu doce arrastar de voz: e agora para sobremesa o doce da casa? Eu incondicionalmente seduzido, feito escravo, saciado de uma fome ancestral curvei – me como fiel devoto ante mais uma vergastada. Eis que, como numa cena de ilusionismo, ou outra menos publica, surge um bouquet de bolachas molhadas no café, com natas e caramelo. Ainda foi aventada uma aguardente medronheira, mas porque a estrada me olhava, à porta, adiei-a para a chegada ao Aries. RUMO AO SUL III Volvida a dezena de quilómetros reentro na A2, retemperado confiante, psicologicamente remoçado. Olhava a estrada e o horizonte impar do Alentejo quando a meu lado uma nave original me fez zigzaguear de curiosidade.
Uma moto, não moto, um carro não carro, um triciclo não triciclo, com um casal a condizer e a conduzir a 140. Felizes atiram um sorriso ventoso e levantam o polegar em resposta ao meu. Felizes os que vivem. Ainda tenho espaço à minha frente... pensei.

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