é um desabafo, uma dor de alma, um grito vertido assim, a medo, mas com uma vontade enorme de mudar o mundo, ou apenas mudar o autor.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
A VIDA É ISTO?
O pôr do sol hoje marca um fim triste de uma triste vida …
O Sr Paulo telefonara ontem à noite a avisar que as galinhas pretas têm que ser tiradas daquele galinheiro e têm que ir para o outro, mesmo para junto dos patos e que é preciso ver se os faisões já puseram mais ovos, para os colocar na “chichirica” que os vai chocar.
Quanto, saí de Cascais para vir para a Ria Formosa, pelas 8 da manhã, há 8 dias já o sr Paulo estava de volta da horta e dos animais. Arrastava – se com as dores. Cada vez está pior dizia e confimei. Cheguei ao pé dele, pediu – me para o ajudar a levantar – se. Perdera a força das pernas. Fizera hemodiálise durante a noite, mas com as dores não conseguia descansar, por isso, viera com o amigo, o outro Paulo para fazerem coisas na horta e nos animais. Fui fazer – lhe um cafezinho que bebeu lentamente, segurando a chávena com os cotos, pois a esclerose há muito que lhe torcera as mãos, os pés, os órgãos, mas não a alma. Assim, dizia ele, as dores passavam ao lado. “É isto que me mantem vivo”. E ante a minha admiração sincera adiantava “E a Nossa Senhora de Fátima que tanto me tem ajudado ainda vai fazer um milagre”.
Soube que nessa noite voltara ao hospital S. Francisco Xavier e ficara internado. Era de prever.
No outro dia ao fim do dia telefonei – lhe. Sentia – se com mais força, mas pouco melhor. Falou – me das couves que estavam lindas, das alfaces, dos coelhos que vinham do pinhal e invadiam a horta e das coelhas grávidas… logo que voltasse matava uma galinha das grandes para a Maria do Céu me fazer uma cabidela, coisa de que gosto mas que há muito não como porque lá em casa ninguém consegue matar um rato sequer. “E este Natal vamos comer das nossas couvinhas e vamos matar o peru e o porco…”
Foram as últimas palavras que ouvi deste homem de 34 anos que tanto sofrera e tanto lutara nos últimos tempos.
O João deu - me a notícia esta tarde. A mulher fora chamada ao Hospital. Telefonou depois à Sara que faz arranjos de flores porque está desempregada e pediu – lhe para que lhe fizesse uma coroa e que nos avisasse.
Não quero usar palavras para embrulhar sentimentos excepto para duas ou três conclusões.
1ªque aquele homem pai de 2 meninos lindos e criados com muito amor, ternura e educação, é preciso que se diga, já não teria casa dentro em breve. O senhorio iria manda – lo para a rua por não pagar a renda. Pedira à CM de Cascais que o ajudassem. Que não, que não havia casas para ninguém. E sabermos nós que há tantos homens, cheio de saúde a viver de subsídios e em casas sociais que passam as tardes a beber nas tascas enquanto ele tentou trabalhar até ao fim. Uma vergonha para os nossos corações solidários, como os nossos líderes de merda recomendam e se empenham em multiplicar, confundindo justiça com caridade.
2ª A única ajuda que este homem teve até ao fim foi de amigos; o outro Paulo que deixou de beber para lhe agradar, pelo Victor, o cabo - verdeano que sobe às árvores e acarta pedras como quem leva brinquedos e pelo Jorge, outro africano que está na Corsega a ganhar a vida e sempre que por aqui passa, oferece – se ao Paulo para o ajudar. Pobres e bem pobres como ele que o ajudavam nos trabalhos que conseguia. Trabalhavam sob as suas ordens e recebiam sem discutir o dinheiro se sobrasse. Obedeciam com respeito e uma profunda admiração. Incansáveis e admiráveis. Só os pobres se podem ajudar.
3ª – que ficaram uma mulher ainda muito jovem e dois meninos; uma menina de 4 anos e um rapaz de dois, que o Sr. Paulo levou no coração. Parece oportuno perguntarmos se vamos escorraçar estas crianças, como ignoramos este jovem pai exemplo de trabalho e de vontade de viver?
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Reconhecera, com certeza, que a sociedade capitalista, em que vivemos, não se compadece com a dor e o sofrimento alheio – Infelizmente, os valores que cultiva, são do individualismo e do egoísmo. No culto, desenfreado aos prazeres materiais e ao salve-se quem puder. Ou do encha-se o mais que se puder – Sobretudo, por parte da classe politica e económica.
ResponderEliminarO episódio que nos relata, numa linguagem espontânea e simples, sensibilizadora, é de facto chocante – sobre o “homem de 34 anos que tanto sofrera e tanto lutara nos últimos tempos” E que, em plena for da vida, partira para a eternidade – Chamado, talvez por algum poder divino, para o livrar da angústia e da dor, do desencanto, que se lhe depararia, caso vivesse mais uns dias. Pois diz-nos que, “aquele homem pai de 2 meninos lindos e criados com muito amor, ternura e educação, é preciso que se diga, já não teria casa dentro em breve. O senhorio iria mandá – lo para a rua por não pagar a renda. Pedira à CM de Cascais que o ajudassem. Que não, que não havia casas para ninguém. E sabermos nós que há tantos homens, cheio de saúde a viver de subsídios e em casas sociais que passam as tardes a beber nas tascas enquanto ele tentou trabalhar até ao fim” – Pois é, mas alguma vez o capitalismo, que controla as TVS, os Jornais e as rádios, o governo e as câmaras municipais, sente piedade ou se importa dos desgraçados?! .. O mais caricato de tudo é que ainda há quem (não tendo nada) os queira a governar a tempo inteiro.
Um abraço e parabéns pelo blogue – Prossiga, pois as palavras, quando bem ditas, nunca se perdem.