domingo, 9 de outubro de 2011

morri e não sei


Estou no Shopping. Durante minutos deixei os olhos no livro A Rocha Branca de Fernando Campos . Conta a história romanceada de Safo de Lesbo , a grande poetisa lírica da literatura grega que, no século VII AC, com cerca de 50 anos se enamorou de Fao, um velho barqueiro de Mitilene que a deusa Afrodite transformou no mais belo jovem que alguma vez existiu.
Regressei da Antiguidade Clássica e vagueio agora pelos corpos que se movem. Uns para a frente, outros para cima ou para baixo, nenhum para trás.
Da escada rolante sai uma mulher que conheço e já não vejo há tempos. Loira, porte normal, desembaraçada, jeans, camisola azul sobre os ombros; a mulher do Cardoso, meu amigo de infância. Não trás o cão de pelo encaracolado como todas as tardes fazia, no jardim do Junqueiro, onde morei.
Olhou – me. Não sei o que viu. Continuou sem estugar o passo. Desaparecia para os lados do Mac Donald, quando me lembrei que ela já morreu. De certeza? Perguntei – me. Sim, pois até confortei o Cardoso, esse D. Juan de Carcavelos, que havia de sofrer tanto com a sua morte.
Mas, será que voltou? Provavelmente voltou por causa dele, ou, passou só para ver como isto está.
Será que todos os que vejo estão mortos? A expressão dos olhares é vazia, não existe, desprovida de vida, de luz, de vontade, de amor. Vão, vão para qualquer lado. Saberão para onde? Uns mexem os lábios como sempre fizeram na vida. Não os ouço. Um homem segura o telemóvel na orelha. Não fala. Ninguém o escuta. São autómatos, mortos vivos. Dois lóbis - homens comem gelados com colheres, sem sequer se olharem. Noutra mesa velhos vagueiam com o olhar. Vão ali um rapaz e uma rapariga. Esses olham – se, como sempre fizeram… não sabem que já morreram.
Sim. Será que eu também já morri e não sei ?

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