sábado, 19 de junho de 2010

E NÓS MERECEMOS SARAMAGO?

Quando hoje vejo quase a uníssono, chorarem o velho escritor, é justo perguntar:
e nós merecemos Saramago?

Ficam - nos as palavras sentidas e sofridas por ele e por nós. "Foi a morte que criou Deus"Disse. Hoje, ele terá tido pessoalmente a confirmação.

Morreu ontem José Saramago.
Já sabia que um dia teria que ser, mas tive a sensação como se tivesse interrompido quando mais interessava, um filme lindo de se ver.
Personagem estranha na história portuguesa.
Quando ele começou a ser notado, na vida pública, estava eu na RTP. Grande parte dos meus colegas, jornalistas, talvez a maioria, falava dele com raiva e azedume. “Que era comunista, cruel, impiedoso, traidor para os colegas, que no PREC correra com muitos do Diário de Notícias, para onde fora nomeado director, ou coisa assim, que era inflexível aos dos outros partidos etc. “.
Claro que dei sempre de barato aquele tipo de queixas sabendo do género de manobras de que esses meus colegas eram capazes e, que até foram, mesmo na RTP. Quero dizer: o comportamento deles não era abonatório para eu levar a sério tais opiniões.
Cruzamo – nos duas ou três vezes no Jornal do Marques de Pombal e no Lumiar, mas eu não me sentia com estatura nem argumentos para o abordar.
Caiu – me nas mãos o Memorial do Convento. Andei embrenhado com a Blimunda e o Baltazar Sete Sois e percorri com pormenor o convento durante uns tempos que foram de delícia e surpresa, logo seguido do Evanjelho Seg., Caim, da Jangada e por aí fora, apesar de nunca lhe ter perdoado a ausência de pontuação, coisa que para mim era aviltante a nossa gramática que me impuseram sempre. Perdoei – lhe tal falta ao segundo ou terceiro livro. Perdoa – se tudo o que é feito com amor e qualidade.
Passei a ser leitor. Depois aferroei – me ao que dizia. Consequente, altivo, desafiador, sem contemplações batia à direita e à esquerda até.
Um monte de verdades que uns transmitiam porque era o Nobel e outros ouviam porque o “velho” escritor tinha razão e era o único, com ironia e desplante a criticar os políticos nacionais e internacionais, a literatura, as religiões os descaminhos do mundo. Em tudo tinha uma palavra clara e reveladora. Recordo a sua inesquecível locução na entrega do Nobel. O Mundo ouviu o que não gostava.
Bebíamos – lhe as palavras que lançava sem ódios, mas com reflexões profundas, enquanto muita gente abanava a cabeça; uns para os lados, outros para baixo e para cima. Mas nenhuma ficaria no seu lugar.
por nós.
Vimo – lo envelhecer sempre igual, ao lado da sua Pilar.
Lindo aquele amor e dedicação. Bem o mereceu.
Aliás, mereceram um e outro.

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