Confesso que me mantenho impávido e sereno enquanto milhões de
portugueses sofrem na pele o peso da cavalgante miséria que se aloja no olhar,
nas paredes de casa, no fundo da panela e no futuro dos filhos.
Confesso que assisto aos noticiários das TVs, com a consciência
de um inconsciente que lava as mãos do sofrimento de irmãos que se embebedam,
que choram, que roubam, que gritam, que se suicidam porque não tem com que
pagar a renda, os medicamentos, os livros das crianças o passe, o pão, e
perderam o trabalho.
Confesso que não mereço o sol nem a chuva que sobre mim caiem
como bênçãos de vida, num tranquilo jardim à beira mar, quando assisto aos
despiques de desgarrada, de políticos míopes, surdos e mudos que falam apenas,
no lugar comum, na frase feita, com a ideia gasta.
Confesso que não vejo no horizonte gente capaz de bater o pé,
de gritar: basta!.
Confesso que me acobardo quando ainda me comovo com o hino
nacional, com um cravo vermelho, ou o
olhar de uma criança, mas deixo que o tempo dilua os sentimentos.
Confesso que deveria
usa – los para com eles inundar a assembleia e a consciência do pomposo PR do enfático
PM com seu séquito, dos ilustrérrimos Juízes, dos agitados deputados, dos seráficos cardeais e
bispos, de todo o cortejo de incapazes,
que não sabem que não pode haver nem
discursos de promessas, nem jantares, festas, futebóis e risos, enquanto um
português sofrer por sua causa.
Confesso também, sem cobardia alguma, que nunca votei, nem
votarei neles.