

Hoje dei a minha primeira resposta ao histerismo nacional. Resolvi vir de comboio de Lisboa até Olhão. Gastaria um décimo do que gasto como automobilista e não teria trabalho de motorista de longo curso.
O País está em crise. Grita – se por todo o lado como se a crise não estivesse há muito na consciência dos menos distraídos.
Pensei que, antes que o FMI me obrigue, diria não à Brisa e à Galp dois dos expoentes da nossa trágica condenação. Não se pode ir a lado nenhum que não tenhamos que pagar para lá e para cá, às crescentes e asfixiantes portagens desta tentacular concessionária de auto – estradas. Ao mesmo tempo diria, não, à petrolífera distribuidora que se esforça por manter no pais mais pobre da Europa, os preços mais elevados, ante a clara aquiescência dos senhores da Entidade Fiscalizadora.
E lá entrei em primeira classe, em Entre - Campos, munido de computador e alguns livros, não fosse por acaso desviado, ou sequestrado.
A carruagem parecia fretada a uma associação da 3ª idade. 90% dos passageiros são da 3ª idade porque estes gozam de 50% de desconto. (12 Euros) Boa!!!!. Havia casasis algarvios e alentejanos que pareciam festejar as bodas de ouro.
Estava feliz a apreciar esta concordância entre necessidade e direitos, quando o cobrador veio comunicar que uma avaria de, já alguns dias, um fusível, não permitia que houvesse ar condicionado na carruagem de 1ª classe “Se quisessem, que fossemos para a de 2ª”.
Recostei – me no assento, saquei do PC e avancei para o windows. A dada altura, tive que ligar à electricidade. Nada. Chamei o comandante. Que não era possível, primeiro porque os fusíveis pifam e depois, porque “esta carruagem não tem estabilizador de corrente”.
Não, nem isto iria estragar a minha vingança e o prazer de dizer não à crise. Emalei o pc e saquei do Corrier. De quando em vez, as localidades sucediam – se. Desviava a leitura para o exterior, já alentejano, com sobreiros e oliveiras até ao horizonte, bordado por flores brancas, como mantos de neve nesta primavera. Achei lindo, até sentir apetite.
Um cafezinho e um queque bastariam até chegar a Olhão onde avançaria para uma pizaria como o Napoleão por Itália, pensei.
Lavar as mãos. WC livre, corri. A torneira, nem pinga e o secador nem bufa. O almirante sorridente “É dos fusível”. Paciência, vai um cafezinho? perguntei cordial, para esquecer o filho da puta do fusível. Não. Não. Diz – me o porta - voz: A máquina não funciona, mas tem cerveja que não está fresca mas…
Voltei ao meu lugar sem desanimar.
3 horas e tal depois de Entre Campos, entrava em Faro onde mudaria para Olhão.
Corri para as casas de banho. “Só há esta”, apontava um funcionário da companhia, sorridente à espera da minha cara ao olhar para uma caixa metálica, cheia de ranhuras, que colocaram no meio da gare. Procurei uma moeda. Não tinha troco. Era só para lavar as mãos. Supliquei. O solícito e divertido recepcionista sugeriu que fosse ao café. Espreitei. Faziam "bicha" para o WC. A chave andava de mão em mão.
Comecei a ter vontade de urinar.
Embarquei no outro CP, para chegar a Olhão.
Com a mala com rodinhas que me perseguia, tão enfurecida como eu, subi ao Aries onde antes de tudo, tomei um duche compensador.
Enquanto devorava a prometida piza com camarão, pimentos, tomate e todo o menu de outros acessórios, reconhecia, para mim mesmo, que para a crise o melhor é sorrir e enfrenta – la com determinação, mesmo se o FP do fusível não funcione.