Quando hoje vejo quase a uníssono, chorarem o velho escritor, é justo perguntar:
e nós merecemos Saramago?
Ficam - nos as palavras sentidas e sofridas por ele e por nós. "Foi a morte que criou Deus"Disse. Hoje, ele terá tido pessoalmente a confirmação.
Morreu ontem José Saramago.
Já sabia que um dia teria que ser, mas tive a sensação como se tivesse interrompido quando mais interessava, um filme lindo de se ver.
Personagem estranha na história portuguesa.
Quando ele começou a ser notado, na vida pública, estava eu na RTP. Grande parte dos meus colegas, jornalistas, talvez a maioria, falava dele com raiva e azedume. “Que era comunista, cruel, impiedoso, traidor para os colegas, que no PREC correra com muitos do Diário de Notícias, para onde fora nomeado director, ou coisa assim, que era inflexível aos dos outros partidos etc. “.
Claro que dei sempre de barato aquele tipo de queixas sabendo do género de manobras de que esses meus colegas eram capazes e, que até foram, mesmo na RTP. Quero dizer: o comportamento deles não era abonatório para eu levar a sério tais opiniões.
Cruzamo – nos duas ou três vezes no Jornal do Marques de Pombal e no Lumiar, mas eu não me sentia com estatura nem argumentos para o abordar.
Caiu – me nas mãos o Memorial do Convento. Andei embrenhado com a Blimunda e o Baltazar Sete Sois e percorri com pormenor o convento durante uns tempos que foram de delícia e surpresa, logo seguido do Evanjelho Seg., Caim, da Jangada e por aí fora, apesar de nunca lhe ter perdoado a ausência de pontuação, coisa que para mim era aviltante a nossa gramática que me impuseram sempre. Perdoei – lhe tal falta ao segundo ou terceiro livro. Perdoa – se tudo o que é feito com amor e qualidade.
Passei a ser leitor. Depois aferroei – me ao que dizia. Consequente, altivo, desafiador, sem contemplações batia à direita e à esquerda até.
Um monte de verdades que uns transmitiam porque era o Nobel e outros ouviam porque o “velho” escritor tinha razão e era o único, com ironia e desplante a criticar os políticos nacionais e internacionais, a literatura, as religiões os descaminhos do mundo. Em tudo tinha uma palavra clara e reveladora. Recordo a sua inesquecível locução na entrega do Nobel. O Mundo ouviu o que não gostava.
Bebíamos – lhe as palavras que lançava sem ódios, mas com reflexões profundas, enquanto muita gente abanava a cabeça; uns para os lados, outros para baixo e para cima. Mas nenhuma ficaria no seu lugar.
por nós.
Vimo – lo envelhecer sempre igual, ao lado da sua Pilar.
Lindo aquele amor e dedicação. Bem o mereceu.
Aliás, mereceram um e outro.
é um desabafo, uma dor de alma, um grito vertido assim, a medo, mas com uma vontade enorme de mudar o mundo, ou apenas mudar o autor.
sábado, 19 de junho de 2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
30 ANOS DEPOIS
Hoje (17/06/10) tive o inesperado prazer de me encontrar com Helena Sacadura Cabral.
Ambos havíamos sido convidados a escolher e comentar as Revelações do Ano, no programa da manhã da SIC.
Claro que a conhecia, há décadas, mas pensava, que nunca lhe falara pessoalmente. É daquelas pessoas que se conhecem mesmo não conhecendo. Ela recordou – me que a entrevistara há mais de 30 anos, incluída num grupo, no decorrer de um programa meu na RTP.
Nutria uma discreta admiração por esta mulher sorridente, determinada, disposta a lutar, defender convicções, tomar posições e sobretudo incansável nas suas crónicas, livros e originalidades de vária ordem. Juntando a tudo isto o facto, sem preço, de ser mãe de dois homens com actividades políticas que eu diria inconciliáveis, mas , paralelas. É ela a enternecida e justamente orgulhosa mãe de Paulo e Miguel Portas.
Nos antípodas um do outro, no que respeita a ideologia e causas, marcham na vida, de mãos dadas, como sua mãe sempre o desejou.
Miguel está, como sabemos, gravemente doente e o irmão tem sido incansável no apoio que lhe tem prestado, tanto na Bélgica, como em Portugal. Toda a família segue ansiosa a convalescença. Muitos, portugueses anónimos, como o autor destas linhas, também.
É a família que os une, numa união cimentada pelo amor de uma mãe que faz disso a coroa de glória da sua vida.
Como gostei de falar com esta mulher que se preciso for, ri e chora, apaixonadamente. Algures, no seu livro ”Coisas que sei… ou julgo saber”, ela diz que não é uma mulher feliz, mas é uma felizarda. Como a entendo nessa contabilidade difícil e muitas vezes instável, onde o deve e o haver se saldam pelo cumprimento de um simples dever.
Ouvi – a, ouvi – a, como se há 30 anos aguardasse essa conversa.
E ela escutou – me. Tinha que me ouvir. Claro que ouve.
Não a perco mais.
Deixou – me, para já, o seu blogue - Fio de Prumo,: hsacabral.blogspot.com
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