sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A SORTE E A TRADIÇÃO



Desde que me lembro a entrada no novo ano era o momento mais empolgante para a minha família; eu nascia no dia 1 de Janeiro, uma irmã gémea, claro, e o meu filho mais velho. Era o momento de maior tradição e religiosidade. Havíamos que entrar no ano com o pé-direito no chão e o esquerdo no ar, (nada a ver com a política) e ingerir as 12 passas conforme as badaladas e a taça na mão, para brindar.
Sempre, sempre assim foi, mesmo a trabalhar em espectáculos, programas de TV, no mar ou em terra, rodeado de familiares e amigos.
Mas este ano pela primeira vez, cansado de barulhos, senhor de mim próprio, não saí de casa. Seria um Réveillon intimo, reflexivo e retemperador de uma vida agitada. O IPhone ficara no carro. 
Ainda faltava muito. Liguei a TV. E sem dar por isso, adormeci como uma criança sem fraldas nem compromissos, no meio do nada, nem do ninguém. Já voava no espaço quando fui abruptamente acordado pelos estrondos de foguetes sobre os pinheiros que os novos vizinhos chineses, americanos, brasileiros e alguns portugueses, porque ainda os há, a estoiravam nas copas. A Tv gritava -numa euforia, em off, viva o Ano Novo viva. Senti - me vazio e só. 
Mas, impulsionado pela tradição, corri à cozinha, tirei o espumante do congelador, que abri agitado, já gritavam 12, 11, agarrei numa mão cheia de passas e saquei a taça de cristal,  6, 5 e corri para a euforia. Tentei travar só com o direito, (sem política). Tropecei num sofá, esbardalhei - me espalhando espumante, 3, 2, De cócoras e de joelhos engoli, num segundo, as passas sobreviventes, o espumante bebi-o pelo gargalo enquanto a taça me olhava sobre a carpete. Devo ter dito um palavrão que nem eu próprio ouvi, pir causa dos foguetes que apontavam a casa e as arvores estarrecidas. 
Recordei meus Pais, as pessoas que amo e amei, creio que todas como num álbum super - sónico. Como as amei...
E agora o que é que vai acontecer? Pensei algo preocupado. Pelos vistos tenho que me portar melhor desta vez.
Aguardemos o próximo episódio, conclui, enchendo o peito e a coxear, porque só a vida é que sabe. E num instante voltou a calma. O céu lindo parecia sorrir. Eu também.
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